Coluna

Massacre de Eldorado dos Carajás: reviver o 17 de abril em defesa do território

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Via Campesina lembra as vítimas do massacre em ato de 2008, em Brasília - Evaristo Sa / AFP
Como em sonho perder a passada e no oco da Terra tombar? (Chico Buarque)

Por Euzamara de Carvalho*

A data alusiva ao Dia Internacional da Luta Camponesa — o dia 17 de Abril — se constitui como um marco de reafirmação e fortalecimento da luta pela terra. Sua promulgação se deu mediante a brutalidade do assassinato de 19 camponeses sem terra no chamado Massacre de Eldorado dos Carajás, que ocorreu em 17 de abril de 1996 no município de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. O assassinato ocorreu durante a ação de remoção forçada das famílias acampadas na região, que se encontravam em marcha como protesto contra a demora da desapropriação de terras, principalmente as da Fazenda Macaxeira.

A história do Brasil é marcada pela grande concentração fundiária que tem como base o modo de produção capitalista predominante na sociedade. Delze dos Santos Laureano considera que “a opção das elites brasileiras por uma estrutura fundiária nos moldes capitalistas deu causa à exclusão dos camponeses e fez necessária a luta pela posse da terra desde os tempos da colonização”.

A história do Brasil é marcada pela grande concentração fundiária que tem como base o modo de produção capitalista predominante na sociedade.

O percurso de resistência das lutas dos povos da terra e do território é marcado pela violência do latifúndio que se perpetua até os dias atuais. Trata-se de um cenário denunciado na luta cotidiana dos povos da terra e do território e registrado ao longo do trabalho das organizações que se desafiam na reconstrução da memória dos lutadores/as que tombaram na luta e na denúncia das formas de violência no campo e as causas da impunidade.

Assassinatos no campo

De acordo com dados do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), 2.507 camponeses e indígenas foram assassinados por motivo de conflitos agrários entre 1964 e 2016. Apontam na mesma direção os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que registram, entre os anos de 1985 e 2017, 1.438 casos de conflitos no campo que ocasionaram o assassinato de 1.904 vítimas, entre as quais trabalhadores/as rurais, indígenas, quilombolas e posseiros.

No registro de dados da CPT de 1985 até os dias atuais, ocorreram 49 massacres que vitimaram 230 pessoas no campo em dez estados brasileiros.
Elucidar o dia 17 de abril como dia Internacional da Luta Camponesa possibilita resgatar a memória das resistências e dos lutadores e lutadoras que tombaram na luta e denunciar a perpetuação da violência no campo. É o momento, também, de reafirmar que a luta em defesa da terra e do território é uma luta comprometida com a vida em equilíbrio com os bens da natureza.

Conforme declarou o saudoso Dom Tomás, cofundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “esse dia lembra a força da caminhada dos trabalhadores do campo, que se arrasta desde Zumbi dos Palmares até os dias atuais da história do Brasil. A luta pela Reforma Agrária não é questão de conseguir apenas um pedaço de chão, mas de mudar o país. Ela é profunda, ampla e de mudanças”.

Pandemia

A gravidade do atual momento que enfrentamos de crise econômica, humanitária, sanitária e ambiental com a deflagração da pandemia de covid-19, com tamanho impacto no mundo, provocara novas formas de reorganização das relações econômicas, humanas e sociais, com o objetivo de superação da crise e de combate ao vírus.

A gravidade do atual momento (...) provocara novas formas de reorganização das relações econômicas, humanas e sociais, com o objetivo de superação da crise e de combate ao vírus.

Os dados de covid-19 no mundo contabilizavam, na tarde desta quinta-feira (16), um total de 2.127.873 casos confirmados e 141.454 mortes. Conforme  analises de especialistas, o número deverá aumentar e mais pessoas podem ser infectadas e vir a óbito. A sinalização desse cenário grave e angustiante tem provocado formas de reinvenção de hábitos e de valores que apontam para uma vivência mais solidária que extrapola a situação de isolamento que é imposta como prevenção para o não aumento do contagio do vírus.

Direito à alimentação

No entanto, há uma questão central, que é o acesso ao direito à alimentação em tempo de pandemia. Em meio ao cenário de crise, aumenta os riscos de vidas das populações pobres e marginalizadas do campo e da cidade que enfrentam a situação de desigualdade social e não tem comida para sua sobrevivência.

Diante disso, a luta pela Reforma Agrária Popular é evidenciada como projeto urgente e necessário à sobrevivência humana no campo e na cidade. O cultivo coletivo da terra, o compromisso com a produção de alimentos para a vida se expressa como ação essencial para a reconstrução de valores humanistas e de solidariedade.

A produção de alimentos saudáveis com base nos princípios agroecológicos, que materializam o cumprimento da função social e ambiental da terra nos espaços de vida, é uma ação extremamente necessária para enfrentar a crise e impedir que as populações passem fome. Ao mesmo tempo, permite avançar na conscientização política e ambiental sobre a necessidade de projeção da vida em equilíbrio com os bens da natureza.

A produção de alimentos saudáveis com base nos princípios agroecológicos (...) é uma ação extremamente necessária para enfrentar a crise e impedir que as populações passem fome.

E é nesse sentido que, na atual conjuntura, o MST tem incentivado a produção e a partilha dos alimentos produzidos por meio de atos de compromisso e solidariedade com o conjunto da classe trabalhadora. A ação reafirma o movimento como sujeito coletivo que demanda, formula e contribui efetivamente para a construção e luta pela garantia dos direitos humanos, com ênfase no direito humano à alimentação e as outros bens que têm como princípio o convívio com os bens da natureza e o compromisso de produzir alimentos saudáveis para alimentar a população em geral.

Reviver o 17 de Abril na atual conjuntura é homenagear os lutadores/as e lutadores do Massacre de Eldorado do Carajás. É fortalecer o compromisso com a vida e com a marcha em defesa da terra e do território.

*Euzamara de Carvalho integra o Setor de Direitos Humanos do MST, é associada do Instituto de Pesquisa Direito e Movimentos Sociais (IPDMS) e da Associação  Brasileira de juristas pela Democracia (ABJD).

Edição: Vivian Fernandes