Rio de Janeiro

Serviços essenciais

Hemodiálise na pandemia: assistente social relata impactos na rotina das clínicas

Trabalhadora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, conta sobre mudanças e preocupações dos doentes renais crônicos

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, clínicas especializadas em realizar o tratamento não podem parar - Divulgação

Obrigatoriamente uma pessoa que sofre de doença renal crônica precisa fazer diálise três vezes por semana. Ela não pode faltar a este procedimento pois, caso contrário, ficará com o corpo inchado de líquido, o que pode levar a óbito. Isto torna o serviço de hemodiálise fundamental. Mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, clínicas especializadas em realizar o tratamento não podem parar. Outra preocupação é que a fragilidade dos doentes renais crônicos os coloca no grupo de risco da doença.

Rita Lima é assistente social e atua em duas destas clínicas no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Uma delas conta com 160 pacientes, outra com aproximadamente 180 pacientes. Na linha de atendimento, Rita é uma das primeiras a ter contato com quem chega, sobretudo aquelas pessoas que se consultam pela primeira vez. “No momento de hoje, caso a pessoa tenha o vírus, eu sou a segunda que pode pegar, ou passar o vírus a quem chega na clínica”, relata.

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Desde passar para os pacientes seus direitos sociais, explicar o uso de medicamentos até intermediar o atendimento do médico aos pacientes são as funções que Rita exerce, mas atualmente, o papel da assistente social tem ido além, “às vezes você tem que se sentar com o paciente e conversar, fazer até o papel de psicólogo”. Com o medo do Coronavírus e por pertencerem ao grupo de risco, os pacientes passaram a consultar mais Rita, que acaba dedicando-se em acalmá-los e mostrar que muitos sintomas são próprios do que eles já têm vivido na hemodiálise.

Para o paciente renal, a qualquer hora ele pode morrer se não fizer a hemodiálise, mas hoje é muito mais assustador. Então, a gente tem que saber lidar e ter calmaria.

Antes e depois 

De segunda a quinta, Rita atendia três turmas de pacientes, a primeira às 6h da manhã, a segunda turma às 11h da manhã e por último uma turma às 14h. Ela ia de sala em sala para checar como estavam, se havia algo de que necessitavam. A exaustão e dor de cabeça eram raras, segundo a assistente social, enxaqueca era algo que tinha uma vez por ano.


Rita trabalha como assistente social em duas clínicas em Duque de Caxias (RJ)/ Divulgação

A explosão da pandemia do Coronavírus mudou drasticamente a rotina de Rita, já que a principal demanda em seu serviço passou a ser tirar dúvidas dos pacientes das clínicas. Quando os primeiros casos suspeitos de covid-19 começaram a surgir, o protocolo era identificar se havia febre e tosse, medicar a pessoa de acordo com o quadro dela de paciente renal e encaminhá-la para a internação.

Isso iniciou um burburinho na clínica, os demais pacientes ficavam apavorados, até mesmo funcionários. E aí surgiu uma função que o serviço social, junto com o grupo de psicologia passou a ter, que é acalmar o pessoal.  

Rita deixou de ir às salas dos pacientes, a fim de evitar o contato direto. O espaço em que trabalha já não pode ter o ar-condicionado ligado, apenas uma janela aberta, que é muito pequena. “São tantos detalhes, que deixam a gente muito exausto. Não há um dia que eu não chegue em casa com dor de cabeça”.

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Se antes o trabalho de Rita levava 8 horas para ser feito, hoje ela tem uma demanda que chega a 12 horas de trabalho, dependendo do dia e da clínica que ela estiver trabalhando. Por fazer parte da equipe multi (serviço social e psicologia), uma das clínicas decidiu dar um dia de folga para ela, mas para ter esse dia de descanso, Rita precisa fazer 15 horas de trabalho.

Aqueles pacientes que têm a suspeita de estarem com o coronavírus passaram a entrar por uma outra sala, ao invés da entrada principal. Rita conta que os protocolos novos de higiene geraram bastante susto entre os usuários e trabalhadores das clínicas, o uso recorrente do álcool gel, a forma correta de utilização da máscara, são fatores extras que tornaram a rotina de trabalho bem cansativa.

No último mês o óbito de cinco pacientes levantou suspeitas sobre a verdadeira origem da morte. O município de Duque de Caxias não liberou os resultados, mas em todos os casos aparecem os sintomas do covid-19. Outro elemento é o quanto estas mortes fizeram disparar a curva de óbitos das clínicas, uma mudança muito brusca em relação à média que se costuma ter.

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Outros pacientes retornaram do isolamento com sequelas. “Nós temos o caso de uma paciente que não te reconhece. Não posso entrar na sala dela, não posso me aproximar dela. Só uma enfermeira e um médico. (...) Era uma pessoa que quando você passava, ela brincava, sorria”, conta.

Formas de abstrair 

Mesmo fora do trabalho, Rita tem uma série de regras de higienização que precisa seguir. Segundo ela, isto já é um ritual que ajuda bastante. Ela também transformou o seu quarto em uma grande academia, “eu fico correndo, faço polichinelo – 100 polichinelos – claro que eu paro, né? (risos) Eu vi que isso acaba me tirando um pouco do estresse que eu tenho durante o dia e fico mais cansada para dormir, a minha mente não fica trabalhando tudo com relação ao trabalho”.

A fé é outro fator que dá a assistente social tranquilidade para lidar com toda a exaustão e pressão que tem vivido. Ao chegar no trabalho, a primeira atitude que toma é fechar a porta de sua sala e fazer uma oração. Nos seus pedidos, ela intercede por sabedoria a todos de sua equipe, para que o dia de trabalho entre os colegas seja calmo e bem conduzido.

Fonte: Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). 

Edição: Mariana Pitasse