Uma semana após o anúncio do auxílio de R$ 600 da renda básica emergencial durante a pandemia do novo coronavírus, trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos, desempregados, além de pessoas inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) e Bolsa Família formam filas enormes em frente a agências bancárias da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e lotéricas.
A situação provoca aglomerações e viola uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para impedir a proliferação da epidemia, mas trabalhadores e trabalhadoras ouvidas pelo Brasil de Fato relatam que a ida ao banco é uma tentativa para receber a verba, que chegou apenas um mês após a quarentena decretada pelo poder público, e, principalmente, buscar informações.
:: Leia também: Sem registro da mãe, trabalhadora fica de fora do cadastro para auxílio emergencial ::
Na fila
“A gente não consegue fazer o cadastro completo, está faltando informação, no aplicativo fica em análise e nunca sai dessa análise. Aí liga no 111 e eles mandam colocar o CPF, mas fala que o CPF não está cadastrado, para entrar no e-mail e baixar o aplicativo, sendo que já está cadastrado”, relata Fabiana dos Santos Reis, que foi até uma agência da Caixa Econômica Federal no bairro Lapa, cidade de São Paulo, para ter informações da inscrição realizada no aplicativo há uma semana.
Ela já estava desempregada há dois meses antes da pandemia, mas agora tem ainda mais dificuldade de encontrar sustento uma vez que os bicos de manicure diminuíram. Sua esposa, que a acompanha na espera do atendimento, também está desempregada e enfrenta o mesmo problema no cadastro do aplicativo.
A situação do casal não é diferente das amigas Luana Morais, 18 anos, e Beatriz Quintino, 22 anos. Elas são ambulantes e trabalham vendendo produtos na marginal Tietê, mas com a diminuição do trânsito estão a um mês sem conseguir levar renda para casa.
“Eu vim para ver se tem alguma coisa do que eu fiz pelo site para pegar o dinheiro”, explica Morais, que se inscreveu também no primeiro dia de aplicativo e só teve o retorno da mensagem de análise.
Já Quintino se inscreveu no Bolsa Família em março e no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) foi orientada a ir até o banco verificar se o recurso está disponível. As duas reclamam da espera pelo auxílio. “Está sendo péssimo de verdade esperar, tem aluguel para pagar, tem dois filhos para criar, tem comida”, desabafa Quintino.
O analista de sistemas, Jonathan Rodrigues Dionízio, é um trabalhador autônomo e também estava na mesma fila. “Está faltando muita informação, está tendo informação desencontrada demais e esse também é o motivo pelo qual eu estou nesta fila", conta.
Ele chegou a se dirigir a uma lotérica para sacar o benefício, uma vez que tem inscrição no Cadastro Único do governo, mas não conseguiu ter acesso ao recurso ou ter informações.
“Fui na lotérica tentar resolver e a menina simplesmente me deu um papel do Bolsa Família, e falou ‘tenta ver aí’. Eu disse ‘mas não é assim eu não tenho Bolsa Família e sim CadÚnico, eu preciso saber como eu vou receber esse dinheiro’. Ela falou ‘você tem que abrir essa poupança na Caixa, isso se você conseguir ir no banco’ ”, relata o trabalhador.
Desinformação nacional
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) confirma que a procura pelas agências é uma realidade em todo o país. “Infelizmente, apesar dos alertas, não está havendo uma migração do atendimento presencial para os canais digitais”, informa por meio de nota. A Febraban afirma ainda que as agências bancárias seguem as orientações das autoridades sanitárias e de saúde e as recomendações do Banco Central.
Na análise da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), que acompanha a situação dos bancários, cidadãos e bancos desde o início da pandemia, esta desinformação pontuada pelos trabalhadores ao Brasil de Fato é o que tem provocado as aglomerações nas agências bancárias.
“Elas [as pessoas] se arriscam ao sair das suas casas simplesmente para conseguir informações e, ao chegar nas agências, há um contingenciamento para garantir o mínimo do funcionamento para que o sistema bancário não entre em colapso. Há uma garantia daquilo que é essencial, mas essas informações elas não são consideradas serviços essenciais, apenas o pagamento do auxílio”, explica o secretário-geral da Contraf, Gustavo Tabatinga.
As agências bancárias são locais de maior risco de proliferação da doença. Devido à segurança, são locais fechados e sem ventilação. Por isso, as unidades estão abrindo uma hora mais cedo (das 9h às 10h) para atender, exclusivamente, clientes que fazem parte dos grupos de risco. Para as demais pessoas, o atendimento está sendo oferecido em horários diferenciados (das 10h às 14h) e com limitação de pessoas no interior da agência.
Segundo a Contraf, 250 mil bancários, em torno de 56% do total da categoria, que estão no grupo de risco da covid-19, foram dispensados, afastados para trabalhar em casa ou estão em férias coletivas.
Para o representante da categoria, uma ampliação no horário de atendimento e aumento do número de funcionários só incentivaria as pessoas a irem para as agências. Ele considera que a causa do problema não está nos trabalhadores nem nos bancos, mas no governo federal, que não informou com clareza como as pessoas poderão ter o auxílio.
“O responsável disso tudo, na verdade, o irresponsável é o governo federal. Se o governo federal tivesse trabalhado em vez de gastar milhões de reais para as pessoas irem para a rua, tivesse gastado com a propaganda em horário nobre dizendo que a pessoa não precisa ir para a Caixa. Se o presidente da República, em vez de ir dizer que é uma ‘gripinha’, dizer que ‘estamos liberando o auxílio emergencial, você só precisa fazer como eu, baixar o aplicativo no seu celular’. Agora o que o governo federal falou, ‘vamos pagar R$ 600 na Caixa Econômica’, por isso que tem fila nos bancos”, afirma Tabatinga.
Tanto Contraf como Febrabran reforçam a importância da população procurar os canais digitais e telefônicos de atendimento antes de ir ao banco, como medida de proteção à vida. As informações sobre o auxílio emergencial desde a realização do cadastro ao calendário de pagamento estão no aplicativo e no site da Caixa Econômica Federal.
:: Leia também: Subnotificação: Brasil pode ter mais de 300 mil infectados pelo coronavírus ::
O secretário-geral da Contraf afirma que a categoria está se mobilizando para cobrar providências do poder público para evitar as aglomerações nos bancos e recomenda que, se for algo extremamente urgente, o ideal é que a pessoa ligue para o telefone da própria agência. "Quando você liga buscando o agendamento, essa pessoa pode direcionar o atendimento a este bancário que está no teletrabalho”, explica Tabatinga.
Afinal quando cai o pagamento?
No lançamento do aplicativo para que esses trabalhadores pudessem informar seus dados e solicitar o auxílio emergencial, o governo afirmou que o pagamento dos R$ 600 seria realizado até 48 horas após o cadastro no aplicativo. Depois informou que o pagamento seria liberado a partir do dia 14 de abril, mas, na prática, a liberação do recurso vai levar mais de uma semana para ser efetuada.
O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, anunciou em coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira (14) no Palácio do Planalto, que o pagamento vai atrasar novamente e deve começar na sexta-feira (17). O argumento para a demora é que a checagem dos dados informados por esses trabalhadores no aplicativo acabou levando mais tempo que o esperado.
Esse grupo contempla 23 milhões dos 35 milhões de brasileiros que foram ao aplicativo do benefício emergencial pedir ajuda financeira para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. São os trabalhadores que se cadastraram entre os últimos dias 7 e 10, ou seja, nos quatro primeiros dias de funcionamento do aplicativo. Quem deixou para fazer o cadastro depois, contudo, ainda nem começou a ter os dados avaliados pelo governo e, por isso, só deve receber os R$ 600 na próxima semana.
É possível acompanhar o calendário de pagamento no site da Caixa Econômica Federal.
Outros grupos
Atualmente apenas brasileiros que estavam registrados no CadÚnico antes da pandemia do coronavírus, até 20 de março, e segurados do Bolsa Família estão recebendo gradualmente o pagamento do auxílio emergencial.
Os dados da coletiva de imprensa é que já foram liberados R$ 2,1 bilhões para 3,3 milhões de brasileiros do CadÚnico pela Caixa Econômica Federal. E a ideia é continuar fazendo o pagamento desse público nos próximos dias. O cronograma prevê o pagamento de 11,7 milhões de trabalhadores até sexta-feira.
Já o Banco do Brasil afirmou, em nota, que o pagamento do auxílio emergencial para os clientes que já integram o CadÚnico contemplou 436 mil clientes no primeiro lote. Os depósitos foram realizados em contas de poupança vinculadas às contas-correntes ou às contas de poupança já existentes na instituição, mas com variação exclusiva, a 73, criada especialmente para o recebimento desse benefício.
“Importante destacar o número da variação exclusiva, 73, para que o cliente localize o seu depósito. Com o uso dos cartões diretamente no comércio, não é necessário realizar o saque dos recursos, mas caso seja esta a necessidade dos clientes, a retirada pode ser realizada nos terminais de autoatendimento do BB, do Banco 24Horas ou em correspondentes bancários”, explica o banco.
Os canais digitais do Banco do Brasil são o aplicativo BB (smartphone), o WhatsApp (61) 4004-0001 e Central de Atendimento BB (0800-729-0001).
Edição: Leandro Melito