Impedir a chegada de ajuda humanitária médica é uma atitude sem precedentes desde a Segura Guerra
Por Martonio Mont'Alverne Barreto Lima*
No dia 26 de março de 2020, o governo do Estados Unidos da América (EUA) anunciou o indiciamento do presidente da Venezuela por sua suposta associação com o “narco-terrorismo” colombiano.
A Colômbia, como se sabe, tem sido o mais próximo colaborador da agenda dos EUA contra a Venezuela, além de oferecer suporte logístico às tentativas do governo estadunidense de remover o Presidente Nicolás Maduro de seu legítimo cargo.
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No mesmo dia, o Departamento de Estado dos EUA ofereceu ajuda de 15 milhões de dólares por informações que levassem à prisão do presidente Maduro. No dia 31 de março, os EUA apresentam “plano” de “transição” para a Venezuela, sem consulta aos seus parceiros internacionais: sequer União Europeia foi consultada.
Pressupõe-se que nem mesmo o aliado interno dos EUA, Juan Guaidó, tenha sido ouvido, já que, pelo mencionado “plano”, estaria ele afastado da “transição”, a qual seria levada por um “conselho”.
No dia 1º de abril, o Presidente Trump anunciou uma massiva operação militar naval, com deslocamento de embarcações para o Caribe e Venezuela. O Secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, afirmou que seu país não permitirá que o combate à pandemia da covid-19 seja utilizado por narcotraficantes, o que justificaria a ação bélica americana.
Tal deslocamento militar significa que qualquer embarcação com destino à Cuba ou Venezuela poderá ser interceptada pela Marinha dos EUA e não chegar ao seu destino.
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O encadeamento temporal destes fatos não parece permitir maior dúvida: trata-se de mais um ataque à soberania de países com assento e reconhecimento na Nações Unidas e, do ponto de vista militar, inferiores aos EUA. Como em diversas manifestações diferentes autoridades estadunidenses já deixaram claro que somente aceitam qualquer resolução para o conflito Venezuela quando se der a remoção do presidente Maduro.
O que se assiste é uma inequívoca violação pela maior potência econômica militar de regras e princípios elementares do Direito Internacional... e sem qualquer sanção dos organismos internacionais multilaterais. Deve ser registrada, até o momento, uma veemente manifestação da Chancelaria da Federação Russa, a condenar a atitude dos EUA.
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O resto do mundo silenciou fingindo não existir violação ao Direito Internacional. A subalterna posição brasileira de apoio aos EUA somente descredencia-nos perante a comunidade internacional, a qual passa a enxergar o Brasil apenas como um apêndice dos EUA, o que impossibilita que sejamos um global player, ou que sejamos chamados para arbitrar ou participar das soluções dos grandes conflitos e interesses bélicos e econômicos internacionais.
O que fica demonstrado é o fracasso ocidental de defender seus valores liberais, apregoados e retoricamente utilizados mundo afora. Contra países como China e Rússia, a política externa da Europa Ocidental e dos Estados Unidos insiste nas suas disfunções democráticas e de contínua violação aos Direitos Humanos.
Óbvio que tal crítica não se direciona aos aliados do Ocidente no mundo árabe, por exemplo. A retórica a favor dos Direitos Humanos se caracteriza por sua seletividade, a depender dos atores envolvidos.
Impedir a chegada de ajuda humanitária médica para Cuba e Venezuela, num momento de pandemia mundial, é uma atitude sem precedentes desde a Segura Guerra Mundial; violadora dos Direitos Humanos e Humanitário.
Cuba e Venezuela, até aqui, insistem na manutenção de sua soberania perante as escolhas políticas que fazem. Mostram ao mundo que não se curvam facilmente, enfrentando toda sorte de limites e provações. Os governos cubano e venezuelano poderão cair, claro. Mas seus povos já deixaram ao mundo uma lição histórica admirável de altivez e resistência. Não será uma recompensa que apagará esta lição da história.
*Martonio Mont'Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza, procurador do Município de Fortaleza e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Edição: Leandro Melito