Respeitar as normas de isolamento social para contenção do novo coronavírus e morrer de fome ou sair para trabalhar e correr o risco de ser infectado pela doença podendo até mesmo chegar a óbito. São estas as escolhas que estão sendo impostas à população mais vulnerável do nosso país pelo flagrante descumprimento do dever do Estado de concretizar o direito à vida.
Esta é a denúncia que aponta a nota técnica elaborada por pesquisadores do tema do trabalho e renda, que compõem o grupo de estudos “Mundos do Trabalho: Reformas”, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia Social e do Trabalho, da Universidade de Campinas (Unicamp). A nota afirma que, escolher entre morrer de fome ou pela doença, é uma situação construída exclusivamente pela omissão do estado diante da conjuntura.
Diante do exemplo das medidas adotadas por outros países, os pesquisadores apontam que há outros caminhos possíveis para serem seguidos, que coloquem o bem-estar dos cidadãos no centro da preocupação. Quando olhamos as medidas adotadas no Brasil, até o momento, é evidente que elas estão muito aquém das reais demandas da nossa conjuntura social – que já era preocupante antes mesmo da chegada do novo coronavírus, com altas taxas de desemprego, pobreza e informalidade, como bem a nota caracteriza.
Com base no acúmulo das discussões e produções realizadas pelos pesquisadores da Unicamp, a nota caracteriza diretrizes fundamentais que devem ser levadas em consideração na formulação de qualquer pacote de medidas emergenciais que visem, de fato, trazer respostas à manutenção dos termos de sobrevivência da população.
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Sob esses pressupostos o papel ativo do Estado deve voltar-se para três eixos fundamentais: a garantia do emprego e condições de trabalho; a proteção da renda e outras garantias necessárias ao direito à vida.
Garantia do emprego e condições de trabalho
A garantia do emprego pressupõe a manutenção dos vínculos empregatícios com proibição das despedidas durante todo o período de crise, o veto de mudanças nas regras trabalhistas e de proposições que impliquem a fragilização do sistema de proteção social e de direitos. É preciso assegurar a participação sindical nas negociações trabalhistas no âmbito da empresa e das categorias nas medidas relacionadas à gestão da crise.
Todo o subsídio, isenções fiscais e melhores condições de crédito às empresas deve ter como contrapartida a preservação dos empregos. A preservação da vida nesse momento de crise também implica que o Estado assegure o funcionamento dos setores fundamentais, especialmente os vinculados à saúde e sobrevivência das pessoas.
Com essa finalidade, esses trabalhadores devem ter sua saúde e vida preservadas e para isso, é imprescindível assegurar condições de trabalho adequadas.
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É fundamental valorizar esses profissionais e possibilitar um meio ambiente geral de trabalho salubre, com jornadas organizadas e reduzidas, direitos e proteções asseguradas, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) disponíveis, logística de locomoção confiáveis, alimentação saudável, espaços de descanso e a recomposição de suas forças físicas.
Além disso, é importante contratar novos profissionais destinados a assegurar o pleno funcionamento das atividades essenciais. Atenção também deve ser dada aos profissionais informais, tais como os trabalhadores de transportes em geral, os motofretistas e bike boys uberizados, que estão na linha de frente da distribuição dos bens e serviços e da mobilidade das pessoas.
Nesses casos, é necessário viabilizar a incorporação desses trabalhadores no estatuto de proteção do trabalho e estabelecer mecanismos para que as empresas sejam responsabilizadas pela saúde, remuneração, jornada e condições de trabalho destes.
Proteção da renda das famílias
A proteção da renda é outra frente imprescindível para que os trabalhadores(as) possam fazer frente às suas necessidades. Isso passa pelo aporte direto do Estado na complementação salarial, garantindo valor correspondente à renda mensal habitual aos trabalhadores formais.
Da mesma forma, o Estado garantiria aos empregados(as) que necessitarem se afastar por necessidade de quarentena, por suspeita da doença, ou por necessidade de cuidado dos filhos, o pagamento de licença remunerada.
Trabalhadores informais, desempregados, desalentados, subocupados, trabalhadoras domésticas, imigrantes e refugiados precisam ter renda básica universal garantida. Por fim, cabe garantir às empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais o acesso ao crédito subsidiado com alargamento dos prazos para pagamento.
Direito à vida
O direito à vida também está, nesse momento, profundamente atrelado à garantia de segurança alimentar. Trata-se tanto da necessidade de coordenação estatal para a manutenção da logística de abastecimento das cidades quanto para garantir aos pequenos produtores as condições necessárias para prosseguirem na produção de alimentos.
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O direito à vida passa, também, pela garantia do isolamento domiciliar a todos aqueles que não estão envolvidos em atividades essenciais.
O congelamento de preços de itens da cesta básica, a criação de um programa de distribuição de itens básicos de higiene e alimentação, a isenção do pagamento de taxas de luz, gás, água, IPTU e a garantia de acesso à internet para população de baixa renda são todas medidas primordiais para a garantia desse direito.
O Estado deve imediatamente reorientar a uma reconversão industrial na perspectiva de fortalecer o complexo de saúde, especialmente na produção de equipamentos essenciais para mantê-lo (equipamentos hospitalares, EPIs, medicamentos, pesquisa, infraestrutura e serviços) em condições de atender todas as pessoas que demandam algum tipo de atendimento na perspectiva de salvar vidas.
A realidade atual exige o fortalecimento e alargamento da tela de proteção social para todos os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras não somente como instrumento de melhoria das condições de trabalho e acesso à seguridade, mas como garantia do direito à vida.
A negação ou minimização dessa crise, o desrespeito às diretrizes e recomendações da OMS, a não adoção de medidas emergenciais e urgentes e a não efetivação das já aprovadas que garantam trabalho e renda, põe em risco a saúde dos brasileiros e de sua economia, demonstrando flagrante descumprimento do dever do Estado de concretizar o direito à vida
Edição: Leandro Melito