Para que a comida não falte à mesa do brasileiro, é preciso que a agricultura familiar seja imediatamente fortalecida em meio à crise socioeconômica aprofundada pelo coronavírus, avaliam movimentos ligados ao campo.
Atualmente, os pequenos agricultores são responsáveis por 70% do alimento consumido pelos brasileiros, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês).
Um dos principais problemas, segundo Gilmar Mauro, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é o desmonte dos programas de armazenamento de alimentos promovido pela atual gestão federal.
“A desestruturação do sistema Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], de armazenamento, transformou os caminhões em armazéns. Com as restrições na circulação e, ao mesmo tempo, a dificuldade de transporte, evidentemente que os preços vão lá nas alturas em muitos supermercados. O preço do feijão, do arroz, do açúcar alto. E nós corremos, sim, o risco de desabastecimento”, projeta Mauro.
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Mauro prevê que, caso a pandemia se arraste por muito tempo, a fome chegará aos agricultores. “Se não resolver o problema de toda demanda, que pode haver, pelo menos há uma grande contribuição para que fome e miséria, concomitantes ao problema do coronavírus, não acabem matando uma outra parte da população”, complementa, referindo-se à população camponesa.
O dirigente do MST sugere o pagamento em comida para agricultores em pior situação. “O que nós propusemos é que fosse um crédito vinculado à produção de comida. E o pagamento dele fosse em comida mesmo. Ao mesmo tempo estimularia a produção e garantiria o abastecimento no período que vem pela frente que, a continuar a pandemia, vai ser mais grave. Nós só estamos no começo”, pondera o líder.
Empréstimo de até R$ 20 mil
O governo autorizou, nesta segunda-feira (13), uma linha de crédito especial para cobrir prejuízos de agricultores familiares durante a crise provocada pela pandemia do coronavírus. O limite para os empréstimos será de R$ 20 mil por beneficiário, com até três anos para pagar (incluído um ano de carência) e taxa de juros de 4,6% ao ano.
Conforme a resolução, o beneficiário poderá usar 40% do valor (R$ 8 mil, considerando o valor máximo) “para manutenção do beneficiário e de sua família, para a aquisição de animais destinados à produção necessária à subsistência, compra de medicamentos, agasalhos, roupas e utilidades domésticas, construção ou reforma de instalações sanitárias e outros gastos indispensáveis ao bem-estar da família”.
Frei Sergio Görgen, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), reforça a importância da linha de crédito, mas ressalta que é preciso mais do que isso para enfrentar a pandemia.
“Um Plano Safra emergencial é fundamental. Não se trata apenas de uma linha de crédito. Uma linha de crédito é muito importante para o fomento a fundo perdido aos mais pobres. [É necessária] uma linha de crédito emergencial subsidiada, para que as pessoas possam produzir sem aquela preocupação de ter que pagar um juro exorbitante”, opina.
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Para Frei Sergio, o fortalecimento de programas de compras públicas de alimento, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são fundamentais para garantir que os agricultores continuem produzindo. Ele ressalta, no entanto, que o reforço não pode ser feito isoladamente.
“Ela [a compra pública] sozinha não é capaz de dar sustentação à segurança e à soberania alimentar do país. É preciso muito mais. Por isso, é preciso um plano de produção em grande escala de alimentos básicos, e não apenas um programa de aquisição de alimentos com compras públicas”, diz o dirigente do MPA.
Mais medidas
Também nesta segunda-feira (13), o governo autorizou, em caráter excepcional, a distribuição de gêneros alimentícios adquiridos com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) aos pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica.
No Congresso Nacional, as bancadas de oposição e de minoria tentam pressionar os presidentes da Câmara e do Senado para aprovar mais políticas emergenciais aos camponeses, afirma o deputado João Daniel (PT-SE).
“Todos os setores estão com políticas para este período de crise. [A agricultura familiar] é o único setor que não tem nenhuma política aprovada. Nós estamos em uma articulação no Congresso Nacional, pressionando para ver se a gente consegue, pelo menos, algum crédito emergencial. Mas o governo não sinalizou com nada, até hoje”, relata o deputado.
Daniel avalia que a luta do campo em Brasília tem sido dura, visto que o governo federal estaria ignorando as políticas para os agricultores. “Estamos enfrentando um ataque frontal, com um governo que não tem nenhum compromisso com a agricultura camponesa, agricultura familiar”, posiciona-se.
Edição: Camila Maciel