Não ter o nome da mãe em seus documentos foi o motivo para que a ambulante Glaucia Roberta da Silva Santos, de 44 anos, fosse impedida de fazer a inscrição pelo aplicativo do governo federal para receber o auxílio de R$ 600 da renda básica emergencial. Enfrentando um câncer e sem trabalhar há quase um mês no centro do Rio de Janeiro, devido à pandemia da covid-19, ela detalhou as dificuldades que tem passado em entrevista ao Brasil de Fato.
“Nos meus documentos não consta o nome da minha mãe, sem essa informação a inscrição não vai para a próxima tela. Fui na Caixa, enfrentei uma fila quilométrica e eles disseram que não estão fazendo atendimento para isso. Liguei para o 111, informei que não tenho o cadastro único e a ligação caiu. Não ter mãe não é critério para o governo não pagar os R$ 600. Tem muita gente que não vai receber por causa disso”, relatou Glaucia.
::Ainda sem auxílio emergencial, mulheres desempregadas lutam contra a fome::
Moradora de Parada de Lucas, na zona norte do Rio, Glaucia vive com a filha, que também trabalha como ambulante e está sem conseguir pagar a faculdade por falta de dinheiro. Ela contou que como todos os ambulantes, leva para casa à noite o dinheiro que consegue durante o dia. “A gente não tem economia, dinheiro guardado. Agora, estou sobrevivendo com cesta básica”, contou.
À frente do Movimento Unido dos Camelôs (Muca), Maria de Lourdes, conhecida como Maria dos Camelôs, acrescenta que a demora para uma ação emergencial é sinal de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não olhou para os trabalhadores informais que estão fora das ruas há quase um mês. Ela também criticou os governos municipais, que historicamente têm situações de embate com a categoria.
“Se a medida é emergencial, por que Bolsonaro demorou tanto para aprovar isso? E aqui no Rio temos o agravante da repressão e desrespeito muito grande da Guarda Municipal. A Prefeitura do Rio não tem diálogo com os camelôs. Esvaziamos as ruas, conforme foi determinado, e a prefeitura prometeu cestas para ambulantes cadastrados. Mas como fica a vida de quem não está cadastrado?”, questionou a representante.
::Renda básica só é possível porque "ainda não privatizaram tudo", diz Tereza Campello::
Mais problemas
Outro impedimento que vem sendo relatado e que gera mais demora no recebimento do auxílio é para pessoas que estão com CPF em situação irregular. Neste caso, é preciso entrar no site da Receita Federal para regularizar o cadastro.
Na última terça-feira (7), a inscrição gerou mais confusão entre os trabalhadores. Um aviso abaixo da inscrição informava que se houvesse saldo negativo ou débito programado nesta conta, o lançamento do auxílio pode ser utilizado para quitação”. O governo, porém, prometeu que isso não vai acontecer.
Quem fica de fora
Uma nota técnica elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese) elogiou a iniciativa do Congresso Nacional, mas apontou algumas lacunas. Uma delas é que a renda não chega a trabalhadores e trabalhadoras assalariados do setor privado que estão sujeitos ao desemprego pelos mesmos motivos que afetam os informais.
“As medidas sanitárias, a paralisação de várias atividades e a queda na demanda farão aumentar o desemprego. A legislação atual não está adequada para responder à suspensão de atividades, à redução no grau de utilização da força de trabalho e também ao prolongamento da condição de desemprego por parte dos trabalhadores que estão desempregados atualmente ou da possível dispensa de um novo contingente de pessoas nas próximas semanas e meses”, diz trecho da nota do Dieese.
O Dieese afirma, no documento, que o prazo de três meses para recebimento do auxílio está aquém da realidade se forem confirmadas as projeções de queda nos níveis de atividade e de emprego que estão começando a ser divulgadas. A instituição ainda chama a atenção para o limite de renda, que exclui outros trabalhadores por conta própria, que também foram privados do próprio sustento de forma abrupta e não contam com poupança para os próximos meses.
Edição: Mariana Pitasse