Em 1993, a campanha “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida” escancarou para uma sociedade brasileira desigual e injusta a situação da fome no Brasil e a necessidade de ações políticas visando retirar da miséria milhões de brasileiros. O pensamento que norteava a campanha era que o Estado e o capital têm a responsabilidade de projetar no seu orçamento recursos para quem produz alimentos e também para quem precisa deles.
Essa problemática ganhou mais espaço no governo federal a partir de 2003 e foi compreendido que sem a presença do Estado essa ação não seria possível. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi o instrumento de política pública estatal criado para dar ressonância a essa ação. Ele se estruturava em dois eixos complementares: o primeiro, a assistência social através da distribuição de alimentos e o segundo, o reconhecimento por parte do Estado brasileiro da importância econômica e social que a agricultura camponesa, familiar, indígena e quilombola desempenha no país.
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Com a desestruturação das políticas públicas para o campesinato, o Brasil assistiu a uma queda brusca de seus estoques de alimentos. Hoje o estoque de arroz é de aproximadamente 705 toneladas e o consumo diário é de 2.944 toneladas; temos cerca de 290 toneladas de feijão em estoque e consumimos 8.472 toneladas por dia; temos apenas 3 toneladas de trigo e consumimos 32.794 toneladas diariamente. O que temos para garantir o consumo de um dia é milho 236.645 toneladas contra 189.267 toneladas.
A pergunta que não quer calar é: quem vai querer uns quilos de milho em suas cestas ou suas compras no supermercado ou na feira? A quem interessa ter mais milho que feijão nos estoques públicos? O PAA também promove o abastecimento popular; cria e fortalece circuitos curtos, sejam locais ou regionais; promove e valoriza a biodiversidade e a produção e agroecológica de alimentos; estimula e promove hábitos alimentares saudáveis, além do trabalho coletivo. O PAA é uma política que promove a solidariedade.
O PAA sozinho não dará conta da produção e distribuição de alimentos, é necessário um conjunto de políticas que coloquem o campesinato na condição de normalidade
Presente em todas as regiões
Mesmo não estando em condições de normalidade, o campesinato possui o maior e mais diverso estoque horizontal do Brasil e está presente em todas as regiões brasileiras, nas comunidades indígenas, quilombolas, camponesas, assentamentos e acampamentos da reforma agrária, áreas "rururbanas", comunidades ribeirinhas, áreas extrativistas. Portanto é urgente a retomada dessa política pública para diminuir a distância entre as mãos que produzem o alimento e quem precisa dele.
::Garantir abastecimento é desafio com desmonte de políticas para agricultura familiar::
O último orçamento do PAA foi operacionalizado R$ 1,3 bi aproximadamente, hoje com a situação de pandemia será necessário cerca de R$ 3 bilhões para assegurar que não tenhamos que juntar os mortos pela fome. Essa responsabilidade será toda do Estado Brasileiro que faz a opção por pagar os juros da dívida e dos capitalistas nacionais e internacionais empresários gananciosos que disputam na ponta da faca os recursos públicos.
Hoje com a situação de pandemia será necessário cerca de R$ 3 bilhões para assegurar que não tenhamos que juntar os mortos pela fome
O PAA sozinho não dará conta da produção e distribuição de alimentos, é necessário um conjunto de políticas que coloquem o campesinato na condição de normalidade. É urgente um plano safra emergencial para a produção de alimentos que articule R$ 28 bilhões para crédito emergencial; R$ 7 bilhões para capital de giro para cooperativas e associações; ampliação do Programa Nacional da Merenda Escolar; R$ 2 bilhões para construção de cisternas; R$ 5 bilhões para habitação rural; R$ 1 bilhão para assistência técnica; moratória e revisão de todas as dívidas do campesinato e suas entidades; PAA sementes; retomada do sistema nacional de segurança alimentar e nutricional e do CONSEA e retomar a criação de um ministério que trate a produção de alimentos dos povos do campo, das águas e das florestas.
*Maria Kaze é militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no estado do Piauí.
Edição: Vivian Virissimo