Machismo

Isoladas, mulheres vítimas de violência doméstica são atendidas remotamente no RS

Judiciário, Defensoria e ONGs reforçam canais de ajuda para situações de urgência por e-mail e telefone

Matinal News | Porto Alegre (RS) |
Violência contra mulher aumenta durante a quarentena - Harassment

Desde que o coronavírus chegou ao Brasil, entidades que prestam assistência a mulheres vítimas de violência doméstica estão em alerta. Para essa parcela da população, ficar em casa confinada com o parceiro por um período ainda indeterminado de tempo pode ser tão arriscado como a contaminação pelo coronavírus.

Das 91 mulheres assassinadas no Rio Grande do Sul em 2019 por questões de gênero, 65 foram mortas na casa delas ou dos autores do crime. Com o isolamento e os serviços públicos parcialmente fechados ou com atendimento remoto, existe a possibilidade real de um crescimento no número de casos de violência que ficarão represados neste período por causa da pandemia. Diante dessa perspectiva, Judiciário, Defensoria e ONGs de apoio passaram a oferecer atendimento online. Somente as primeiras solicitações de medidas protetivas de urgência, as MPUs, feitas pelas vítimas, continuam sendo feitas presencialmente nas delegacias.

A situação de vulnerabilidade feminina durante a atual quarentena já foi percebida em outros locais no Brasil e no exterior. No Rio de Janeiro, foi registrado pelo plantão judiciário do Estado um aumento de 50% nos casos de violência doméstica durante o período de confinamento. Na China, o número de denúncias aumentou em três vezes durante o isolamento, que, aos poucos, está sendo suspenso em determinadas regiões do país, como em Wuhan, origem da Covid-19. Nos Estados Unidos, a preocupação das autoridades é que o distanciamento social imposto pelos governos como medida sanitária seja usado como argumento dos agressores para afastar ainda mais as vítimas do convívio familiar que, de certa forma, as protege.

Tatiana Bastos, delegada titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) do estado, explica que as subnotificações de agressões podem aumentar pela situação de isolamento social, mas que casos que não são subnotificados, como feminicídio, estão em queda. “Já estamos contando com um represamento de fatos menos graves. Quando o isolamento acabar, elas vão buscar a delegacia para notificar a situação” ressalta.

Bastos acredita que haverá agravamento das situações onde já existia violência. O isolamento propicia um maior convívio familiar como acontece aos domingos, dia em que são registrados mais casos de violência doméstica.

Duas questões principais preocupam os especialistas ouvidos pelo Matinal. Primeiro, durante o confinamento, ainda sem prazo para terminar, as mulheres podem perder empregos e trabalhos que afetarão sua independência financeira frente a parceiros, especialmente as trabalhadoras informais, autônomas e domésticas. Sem renda, sair de uma situação de abuso se torna ainda mais difícil. “Com o isolamento, é provável que os abusos fiquem cada vez mais graves, e que o ciclos sejam mais curtos e se repitam com mais frequência”, ressalta a psicóloga Katia Paes.

O impacto financeiro das medidas de contenção também se refletirá nos homens, que podem se tornar ainda mais violentos em um contexto de insegurança diante do futuro. Por isso, é consenso entre quem trabalha no atendimento a essa população que a rede de apoio siga firme neste período. Amigos, familiares e vizinhos são parte fundamental para que uma mulher em situação de violência possa pedir ajuda e até mesmo sair da rotina de abusos. “É muito importante que as mulheres se informem, busquem sites, que tenham informação jurídica, que digam ‘oi’ para a vizinha pela janela porque a vizinha vai simpatizar e vai cuidar dela. Isso tudo é muito importante para a proteção das mulheres nesse momento”, alerta a advogada Gabriela Souza, que atende mulheres vítimas de violência.

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Medidas protetivas

Desde que o confinamento começou, uma das principais preocupações do Judiciário é em relação às medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha. São dois tipos de medidas protetivas de urgência, conhecidas como MPUs: as que obrigam o agressor a não praticar determinadas condutas e as que são direcionadas às mulheres e seus filhos para protegê-los. As medidas têm validade e, para serem prorrogadas, dependem da ação da vítima, que, até então, tinha que solicitar presencialmente. Agora a prorrogação pode ser feita por e-mail.

Com as medidas de distanciamento decretadas pelo governo do Estado, que devem durar todo o mês de abril pelo menos, houve também mudanças na forma de realizar notificações de violência. Para casos que não sejam graves, como agressões verbais, as vítimas podem fazer BO online, informa a juíza e corregedora da Coordenadoria de Violência Doméstica Gioconda Fianco Pitt. Mas se a mulher desejar pedir uma MPU por meio da polícia, para os casos graves, que envolvem agressões e violência física e sexual, é preciso ir presencialmente até a delegacia mais próxima. 

Há ainda outros caminhos para solicitar MPUs no período, conforme ressalta a juíza do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre, Madgéli Frantz Machado. “Se as medidas forem solicitadas através da Delegacia da Mulher, as vítimas devem ir pessoalmente, mas, se forem postuladas pela Defensoria, advogado ou MP, estão à disposição os e-mails dos órgãos”, explica. Ou seja, se a mulher estiver representada, os pedidos podem ser feitos de modo online. 

A advogada Gabriela Souza, que atende mulheres vítimas de violência, protocolou uma carta aberta com recomendações ao Judiciário solicitando que as medidas protetivas sejam renovadas automaticamente. O TJ-RS, porém, não emitiu posicionamento a respeito da carta até o fechamento da reportagem.  

A juíza Madgéli Frantz Machado pondera: “Penso que cabe a cada juiz ou juíza administrar seus processos e proferir suas decisões, com base no que dispõe a Lei Maria da Penha, atentando para o momento peculiar em que vivemos”.

Machado reforça que os números dos registros feitos durante o período não darão a resposta exata do número de violências que acontecem devido ao isolamento – mesmo em períodos de normalidade há subnotificações.

O objetivo é salvar vidas

Instituições públicas, ONGs, casas de acolhimento entre outras entidades estão unindo forças para informar a população sobre os meios de acessar o Judiciário e a Polícia neste período. Machado diz que o Judiciário, os demais integrantes do sistema de justiça e a rede de atendimento estão focando na ampla divulgação dos canais de comunicação para incentivar a utilização dos serviços de apoio à mulher.

Em nota, a ONG Themis e outras autoridades solicitaram aos órgãos competentes que mantenham os recursos públicos destinados às políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e meninas. A medida quer reforçar a necessidade de que as organizações públicas e os Estados incluam a dimensão de gênero na resposta à pandemia de coronavírus. 

Além disso, a entidade tem trabalhado com um plano de segurança e cuidado para manter um grupo de promotoras legais populares mobilizadas nas suas comunidades. As integrantes do grupo estão orientadas para esclarecer mulheres sobre assuntos relacionados à violência por meio de WhatsApp e celular.

Para os casos de mulheres sem comunicação, as promotoras continuarão fazendo as visitas. “Existem algumas mulheres que não têm acesso. Então a questão é botar a máscara, levar álcool gel e fazer a visita”, diz a promotora legal popular Fabiane Lara dos Santos, que atende no bairro Mathias Velho, em Canoas, onde mora. 

Santos relata que já existe apreensão por parte das moradoras. “Eu tenho notado preocupação com o período. Essa questão de conviver com uma pessoa 24h sem ter aquele momento de sair para rua, de poder fazer as coisas, de respirar é bem complicado”. A psicóloga Katia Paes alerta para as etapas do ciclo de violência, que começa com o aumento da tensão, é seguido pela agressão e termina na fase de “lua de mel”, quando acontece o pedido de desculpas por parte do agressor. “Esse ciclo pode se tornar mais curto e mais frequente”, ressalta. 

Outra organização, o Mapa do Acolhimento, vai lançar um mapeamento nacional para reunir o máximo de informações sobre o acesso e o funcionamento dos serviços da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres durante a pandemia, incluindo delegacias, centros de referência, defensorias, hospitais de emergência e outros serviços da rede de saúde e assistência às mulheres. O mapa colaborativo pode ser acessado por todos.

O Movimento de Mulheres Olga Benário e a Casa de Referência Mulheres Mirabal também estão se unindo para alertar sobre os riscos do isolamento. A Mirabal mantém o acolhimento com agendamento por e-mail. 

As medidas de proteção sugeridas pela psicóloga Katia Paes:

1. Não buscar apoio no abusador para acalmar suas ansiedades. 
2. Evitar críticas ao comportamento do abusador. 
3. Não se culpar pelo abuso. 
4. Elaborar um plano de fuga. 
5. Criar momentos de alegria para manter a sua saúde física e mental. 
6. Identificar áreas seguras dentro da casa e correr para estas áreas em caso de briga (importante não correr para onde as crianças estão). 
7. Durante um ataque violento, ir para um canto de parede, sentar-se no chão e enrolar-se como uma bola, com o rosto protegido, braços ao redor de cada lado da cabeça e dedos entrelaçados. 
8. Ensinar os filhos a não se envolver na discussão entre o casal e a pedir ajuda quando forem solicitados. 
9. Manter trancados ou inacessíveis os objetos que podem servir como armas: facas, tesouras ou ferramentas. 
10. Documentar-se com fotos, vídeos e outras provas do abuso e denunciar às autoridades oficiais.

Onde as mulheres de Porto Alegre podem buscar ajuda

Discar 180 (Secretaria de Políticas para Mulheres – SPM). Denúncias anônimas e gratuitas serão encaminhadas ao Ministério Público.

Discar 190 (Polícia Militar)
Em caso de emergências, para flagrantes e condução da vítima e agressor para hospital ou delegacia.

Procurar a Defensoria Pública
De segundas a quintas-feiras, das 14h às 18h, de modo preferencialmente não presencial. 
Alô Defensoria, para casos de Porto Alegre: (51) 3225-0777 
No interior, acesse www.defensoria.rs.def.br
Urgências: (51) 99799-2943. Mensagens e documentos poderão ser encaminhados através do aplicativo WhatsApp, dentro do horário de atendimento público. 
Em excepcional caso de atendimento presencial, a Defensoria pede que seja informado a presença de sintomas gripais. Nesse caso, antes do atendimento, será fornecida máscara de proteção, cuja utilização é obrigatória. 

Delegacia Online
Denúncias pelo Disque 180 ou pelo WhatsApp: (51) 98444-0606
Nos casos de crimes graves e estupro e havendo necessidade de solicitar medida protetiva de urgência, é necessário ir até a Delegacia mais próxima e registrar presencialmente. 

Para fazer um agendamento na Casa de Referência Mulheres Mirabal
Envie um e-mail: [email protected].

Os pedidos de medidas protetivas são remetidos diariamente pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), mas também podem ser enviados por advogado(a), para a Defensoria Pública e também pelo Ministério Público pelo e-mail  [email protected] e, fora do horário de expediente, para o e-mail [email protected]

Judiciário
1º Juizado – [email protected]
2º Juizado – [email protected]

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Matinal News