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Em ano eleitoral, Trump aperta o cerco contra a Venezuela

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presidente dos Eua Donald Trump
Trump pretende desfocar a crise interna e pressão que vive por conta das vítimas do coronavírus para uma possível zona de conflito na Venezuela - MANDEL NGAN / AFP
Preço do petróleo e coronavírus trazem impactos geopolíticos para a América Latina

Por conta do noticiário relacionado ao avanço preocupante da pandemia da covid-19 pelo mundo, o anúncio da queda abrupta do preço do petróleo ficou em segundo plano e quase não se viu análises importantes dos especialista sobre o real significado desses dois acontecimentos e os impactos na geopolítica aqui na América Latina.

O fato é que ao chegar a menos de US$ 20 o barril de petróleo do tipo WTI no último dia 30 de março, algo que não se via desde o anúncio da invasão ao Iraque protagonizada pelos Estados Unidos (EUA) em 2002, uma peça importante foi movida no tabuleiro da geopolítica mundial. E a principal jogadora nesse momento é a Rússia que, diga-se de passagem, é exímia na arte de jogar xadrez.

A contenda começou na última reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) no dia 6 de março quando não chegaram a um acordo para cortar a produção e parar a queda nos preços do petróleo afetados pelo coronavírus. De um lado, a Arábia Saudita, aliada dos EUA e a favor da diminuição da produção para aumentar os preços. De outro, contra a proposta está a Rússia, que vem perdendo mercado por conta das sanções econômicas impostas pelo governo estadunidense, como é o caso recente da Rosneft Trading, uma subsidiária da petroleira Rosneft, por atuar com a Venezuela no comércio internacional de petróleo.


A principal jogadora nesse momento é a Rússia de Vladimir Putin que, diga-se de passagem, é exímia na arte de jogar xadrez / Alexey DRUZHININ / SPUTNIK / AFP

Ao operar para que o preço do petróleo continue baixando, a Rússia se ampara em suas enormes reservas do fundo soberano calculado em mais de US$ 170 bilhões e na diversificação de sua economia diminuindo a dependência do petróleo. Com isso, o ministro da energia Alexander Novak anuncia que a Rússia pode suportar essa política por pelo menos 10 anos.

Quase não se viu análises importantes dos especialista sobre o real significado desses dois acontecimentos e os impactos na geopolítica aqui na América Latina

Portanto, a guerra declarada é com a Arábia Saudita, mas o alvo dessa disputa são os Estados Unidos e suas empresas produtoras de óleo e gás de xisto. As chamadas indústrias Shale O&G são as responsáveis por aumentar a capacidade de produção das reservas estratégicas do país e diminuir a dependência de energia principalmente dos países do Oriente Médio onde os EUA seguem perdendo posições em vários conflitos. Segundo alguns analistas, as indústrias Shale O&G, além de serem altamente poluentes, operam no vermelho com o petróleo a US$ 60 o barril e a persistirem esses preços baixos não suportam mais que 10 meses.

A China observa o cenário com entusiasmo, dado que o país é um grande consumidor e importador de energia e com sua economia em decrescimento, por conta da pandemia da covid-19, tem seus impactos reduzidos com o preço do petróleo em baixa.

A reação dos EUA não tardou e seus canhões estão agora apontados, outra vez, justamente para onde está localizada a maior fonte de petróleo e gás do continente: Venezuela. Ao fazer isso, o governo Trump sinaliza para os investidores a possibilidade de novos mercados, com a possível falência da prospecção do óleo e gás de xisto; confronta as influências de China e Rússia na região; e, por último, desfoca a crise interna e pressão que vive por conta das vítimas do coronavírus para uma possível zona de conflito. A soma dessas ações pode fortalecer sua base de apoio num ano eleitoral.

A reação dos EUA não tardou, e seus canhões estão agora apontados outra vez, justamente para onde está localizada a maior fonte de petróleo e gás do continente: Venezuela

Desde a eleição de Hugo Chávez que o governo estadunidense (Bush, Obama e Trump) arquiteta uma grande quantidade de ações desestabilizadoras que vão desde o golpe de estado em 2002, sanções, bloqueios, atentados, distúrbios, desabastecimentos, etc, e a Venezuela e seu governo seguem de pé. Então quais são os elementos novos nessa conjuntura? O preço do petróleo e o coronavírus. É sabido que a economia da Venezuela é altamente dependente da exportação de petróleo e seus derivados. O bloqueio e as sanções econômicas reduziram o mercado comprador e, ao longo dos anos, diminuiu-se a capacidade de produção nos principais poços de petróleo do país. No entanto, os mercados da China e Índia continuavam demandando essa commodity. Agora a economia mundial em crise e a consequente diminuição da procura e preços em queda do petróleo afetarão diretamente a já combalida renda petroleira venezuelana.


Desde a eleição de Hugo Chávez que o governo estadunidense arquiteta uma grande quantidade de ações desestabilizadoras / Yuri CORTEZ / AFP

O outro fator é a guerra contra o coronavírus. A Venezuela inteira está mobilizada contra a pandemia e é importante que se diga que é um enfrentamento com as condições materiais precárias devido ao embargo dos EUA proibindo a entrada de remédios, equipamentos e insumos propriamente para combater o vírus. O que têm sido uma referência nesse combate são os médicos cubanos e toda a concepção de saúde implementada desde o governo Chávez com o Plano Bairro Adentro, os Centros de Diagnósticos Integral (CDI) e a rede hospitalar.

Série de ações

A possível leitura dessa situação fez com que o governo Trump desencadeasse uma série de ações no sentido de apertar o cerco contra a Venezuela. A primeira delas foi a acusação formal de altos funcionários do governo, incluindo o presidente da República Nicolas Maduro de narcotráfico e terrorismo.

Em segundo lugar, o reconhecimento de que a tática de Guaidó foi derrotada. Juan Guaidó já não serve mais aos propósitos da Casa Branca e perde o apoio inclusive dos setores de oposição a Maduro e recentemente o autoproclamado foi delatado como parte de uma conspiração paramilitar desde a Colômbia contra a Venezuela e vai responder criminalmente por isso, podendo ser preso.

A terceira foi a apresentação de um plano elaborado pelo governo dos EUA para que Nicolás Maduro renuncie e que seja formado um "governo de transição" sem Guaidó, e a partir daí o governo estadunidense suspenderia as sanções e embargos vigentes. Evidentemente que a resposta do ministro de Relações Exteriores, Jorge Arreaza, foi de rechaçar a proposta e dizer que a soberania da Venezuela não está em negociação.

Agora vimos o anúncio da operação militar “antidroga” composta por navios de guerra, helicópteros, aviões da força aérea para vigilância e patrulhas da Guarda Costeira, duplicando a capacidade de intervenção na região que, segundo Trump, tem o apoio de 22 outros países, que fornecerão informações de inteligência e de natureza militar, entre eles o Brasil e Colômbia que se apressaram a fechar suas fronteiras com a Venezuela.

Agora vimos o anúncio da operação militar “antidroga” composta por navios de guerra, helicópteros, aviões da força aérea para vigilância e patrulhas da Guarda Costeira

Objetivo é estrangular economia

Está claro que o propósito dessa operação é estrangular ainda mais a economia da Venezuela, seja através do bloqueio da via marítima no mar do Caribe, seja nas fronteiras terrestre com a Colômbia e Brasil, aumentando o desabastecimento somados ao flagelo do coronavírus e assim criar caos social. Também há relatos de que essa operação esteja transportando mercenários de guerra para atentar contra o presidente Nicolás Maduro.

Resta saber qual será a reação da Rússia e da China, aliados da Venezuela e peças-chave nesse reordenamento mundial. As Forças Armadas da Venezuela e as suas Brigadas Bolivarianas seguramente devem estar preparadas desde que Hugo Chávez mudou a doutrina nos quartéis e o inimigo passou a ser externo e não o povo.

Edição: Vivian Virissimo