PANDEMIA

Coronavírus na África do Sul: movimentos denunciam descaso do governo com mais pobres

Para sindicato, medidas adotadas desconsideram classe trabalhadora; mais de 700 pessoas estão infectadas no país

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Movimento de moradores de favelas afirma que, mesmo em meio à pandemia, despejos continuam acontecendo - Foto: Divulgação/AbM

Movimentos de operários e favelas da África do Sul denunciaram, nesta semana, que o governo do presidente Cyril Ramaphosa não tem proposto ações suficientes para proteger a classe trabalhadora e os mais pobres durante a pandemia de coronavírus no país.

No início da semana, ao anunciar a quarentena nacional de 21 dias, iniciada nesta quinta-feira (26), Ramaphosa afirmou que a medida seria decisiva para salvar as vidas de milhares de pessoas. Segundo dados divulgados na quarta-feira pelo ministro da Saúde, Zweli Mkhize, o país registra o maior número de casos no continente, com 709 sul-africanos com covid-19, sem notificação de óbitos.

A denúncia foi feita por entidades como o Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (Numsa, na sigla em inglês). Os sindicalistas destacaram o descaso do governo citando a situação da própria categoria. De acordo com eles, os trabalhadores metalúrgicos estão sendo diretamente atingidos pelo fechamento das unidades locais de grandes companhias, como a BMW, e outras empresas de infraestrutura, transporte e aviação que fecharam as portas devido à pandemia.

Segundo a entidade, a BMW, por exemplo, está dispensando os trabalhadores pelas próximas semanas, mas com uma licença remunerada até o 10º dia. Depois desse período, a fábrica quer que os trabalhadores retirem dinheiro de seus próprios fundos de garantia, e, posteriormente, compensem os dias com horas extras. 

Porta-voz do Numsa — maior sindicato da África do Sul, representando mais de 350 mil trabalhadores —, Phakamile Hlubi-Majola elenca outras demandas que a organização tem cobrado do governo para que haja, de fato, ações que protejam os trabalhadores dos impactos sociais causados pelo vírus. 

“Um fundo de renda básica deve estar disponível para os pobres, assim como a garantia de licença remunerada para todos os trabalhadores que estão em quarentena, com carga horária diminuída, ou demitidos por conta do fechamento das fábricas. Todos os aluguéis e hipotecas, assim como dívidas imobiliárias, devem ser suspendidos até depois da epidemia ser superada”, defende Phakamile.

O Numsa defende ainda que hospitais privados sejam nacionalizados e abertos a todos, além de testes gratuitos para o coronavírus. Taxas de juros a 0% e políticas que estimulem à economia, a exemplo da redução de juros estadunidense, também são reivindicações da organização. 

Entre as medidas do governo Ramaphosa, para além da quarentena, está a proposição de  um fundo de alívio da dívida para micro, pequenas e médias empresas, para reduzir os danos da baixa de produtividade e consequente perda de renda desses setores. Porém, não houve nenhuma menção voltada para a facilitação do pagamento de dívidas individuais, de pessoas físicas, ou das famílias, outra ação demandada pelo Numsa. 

:: Da pobreza de Soweto à presidência da África do Sul :: 

O governo sul-africano também impôs restrições de viagem, fechou escolas e proibiu reuniões de mais de 100 pessoas.

Neste cenário, com os números crescentes de infectados e uma quarentena a começar, os metalúrgicos defendem que o Estado assegure a alimentação para toda a população. 

“A comida deve ser garantida para todos que estão em autoisolamento ou em quarentena, e deve ser obrigatório para todas as empresas e companhias atender a todos os padrões de higiene da Organização Mundial da Saúde (OMS). Trabalhadores que são forçados a trabalhar devem receber máscaras de proteção, luvas sanitárias e equipamentos que os protejam da infecção. Defendemos multas severas para quem desrespeitar as regras”, posiciona-se Phakamile.

Assim como no Brasil, são os trabalhadores informais e mais precarizados como caixas, garçons e empregados do setor de serviço, em geral, que seguem trabalhando mesmo com a indicação de isolamento da OMS.

Favelas

As críticas à atuação do governo vão além dos metalúrgicos. O Abahlali baseMjondolo (AbM), um movimento de moradores de favelas na África do Sul que atua em defesa do direito à moradia e constrói barracos populares, aponta que as medidas de precaução feitas pelo presidente, como a constante higienização das mãos, ignora o fato de que milhões de pessoas que moram em barracos não possuem água e o saneamento básico correto.

Os “assentamentos urbanos” construídos pelos integrantes do Abahlali geralmente consistem em cerca de 100 barracos juntos, erguidos lado a lado, com famílias inteiras amontoadas no espaço de um quarto. As cabanas improvisadas geralmente possuem apenas uma torneira como fonte de água, colocada por iniciativa dos moradores, sem assistência do governo. 

O movimento de moradores de favelas denuncia que, mesmo em meio ao declarado desastre nacional, despejos violentos continuam acontecendo. 

Em resposta às atitudes do governo contra a população sem teto, o coletivo e outras 26 organizações que lutam em prol da justiça social enviaram um pronunciamento público contra os despejos e solicitaram que os processos sejam suspensos até que o surto da covid-19 esteja controlado no país.

“Não se pode praticar o distanciamento físico se você e seus pertences estiverem na beira da estrada ou em um espaço aberto e expostos, sem meios de proteção”, afirmou o documento endereçado ao Conselho Nacional de Comando (NCC, na sigla em inglês), órgão criado e presidido pelo presidente para coordenar as medidas tomadas para enfrentar a emergência de saúde pública. 

"É muito claro que o sistema capitalista está falhando em transformar a vida da maioria das pessoas. É importante para nós implementarmos essas medidas de emergência para garantir que vamos superar o impacto devastador do vírus. É tempo de colocarmos o bem-estar da sociedade à frente do lucro ilimitado", destaca o documento.

Phakamile Hlubi-Majola, do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul, vê a situação atual do país com muita preocupação e critica o modelo socioeconômico vigente.

"É muito claro que o sistema capitalista está falhando em transformar a vida da maioria das pessoas. É importante para nós implementarmos essas medidas de emergência para garantir que vamos superar o impacto devastador do vírus. É tempo de colocarmos o bem-estar da sociedade à frente do lucro ilimitado", ressalta.

Continente

Na semana passada, o diretor-geral da OMS, o etíope Tedros Ghebreyesus, alertou que, mesmo com um número de casos menor em comparação com outros continentes, a África deve se preparar para o pior que possa acontecer durante a pandemia.

Apesar dos números de contaminação serem menores no continente africano, em países como República Democrática do Congo, Egito, Nigéria e Zimbabué, entre outros, a covid-19 fez vítimas fatais. Conforme informações divulgadas pelo Centro para a Prevenção e Controle de Doenças (CDC) da União Africana divulgados recentemente, 58 mortes ocorreram no continente desde o início da pandemia.

 

Edição: Camila Maciel