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Gestão Municipal e Direitos Humanos: como fazer?

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Na maioria dos municípios, a falta de uma secretaria própria ou mesmo de uma coordenação ou diretoria de direitos humanos dificulta sobremaneira o direcionamento de recursos - Valter Campanato / Agência Brasil
É preciso vontade política de prefeitos e parlamentares que desejem mudar a realidade local

Num mundo cada vez mais marcado pelas desigualdades sociais, em que a obscena concentração de renda não permite que haja dignidade humana para todos e todas, independentemente de cor, raça, credo, nacionalidade, gênero, condição econômica, entre outros pontos que nos diferenciam enquanto seres humanos, considerando que, na prática, como se diz no popular, “é nas cidades que as pessoas vivem”, não nos Estados nem na União Federal, surge a questão: como é que os municípios, através de suas Prefeituras e Câmaras Municipais, podem encampar e efetivar os direitos humanos? 

Conforme o art. 30 da Constituição Federal, os municípios devem fomentar a melhoria da qualidade de vida da população atendendo as demandas sociais a partir do planejamento público. Devem também ter programas de educação, prestar serviços de atendimento à saúde, promover o adequado ordenamento territorial e proteger o patrimônio histórico e cultural local.

Assim, pode-se dizer que o município, logicamente, precisa ter uma estrutura administrativa voltada para a prestação dos serviços básicos de cidadania e deve usar o instituto do planejamento para organizar seu território, definir seus programas sociais, além de disponibilizar equipamentos e serviços públicos para sua população. 

Pois bem, sem olvidar demais leis ordinárias e complementares, tais como o Estatuto das Cidades, um primeiro passo para consolidar essas determinações constitucionais seria a Prefeitura ter uma pasta específica que pudesse concentrar as demandas relativas a direitos humanos, além de promover a interseccionalidade indispensável com outros órgãos administrativos da estrutura local nesse tema.

É que, na maioria dos municípios, a falta de uma secretaria própria ou mesmo de uma coordenação ou diretoria de direitos humanos dificulta sobremaneira o direcionamento de recursos para, por exemplo, proteção de minorias desprivilegiadas, tais como imigrantes, negros, mulheres, LGBTs, indígenas e pessoas em situação de vulnerabilidade social em geral, prejudicando a consecução dos direitos e garantias fundamentais desses estratos sociais.

Imprescindível, pois, que os Poderes Executivos municipais possam contar com pastas específicas de Direitos Humanos, as quais, obviamente, tenham recursos a elas destinados pelos respectivos Planos Plurianuais (PPAs), Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) e Leis Orçamentárias Anuais (LOAs), de modo que os ordenadores de despesas tenham meios eficazes de implementar políticas públicas de direitos humanos efetivas nas cidades.

É dizer, não adianta ter uma estrutura administrativa criada por lei, com repartição própria, se não haverá condições financeiras para tocar os projetos a ela inerentes. Para isso, necessário o apoio de vereadores e vereadoras comprometidos com essa realidade, claro. 

Uma vez instalada a Secretaria de Direitos Humanos, seria o caso de fomentar a realização de seminários com movimentos sociais, organizações não-governamentais e demais associações civis para que se possa organizar uma Conferência Municipal de Direitos Humanos que, a partir de plenárias com ampla participação popular, poderia sugerir a implementação de um Plano Municipal de Direitos Humanos, o qual contaria com diretrizes de políticas públicas que poderiam servir como norte nessa seara. 

Por sua vez, ao lado da Câmara de Vereadores, a fiscalização da implementação de referido Plano deve ser feita por um Conselho Municipal de Direitos Humanos, que deverá ter função também deliberativa no tocante à consecução dos objetivos das políticas públicas correlatas. Este Conselho, criado por lei, com estrutura também garantida pela Prefeitura, deve ser um colegiado composto por especialistas ou pessoas com experiência na área, as quais sejam indicadas por entidades governamentais e não-governamentais que se habilitem a compor o grupo.

Assim, após essas medidas iniciais básicas, poderão começar a se consolidar as ideias que permitirão, por exemplo, uma acolhida mais digna a imigrantes e refugiados, a proposição de incentivos fiscais a empresas que empreguem pessoas em situação de maior vulnerabilidade social, a elaboração de políticas públicas de inclusão para pessoas com deficiência, negros e negras, mulheres, crianças e adolescentes, LGBTs, entre outras ideias e ações, além, claro, de se fomentar a busca pela concretização de direitos coletivos e difusos com o auxílio das procuradorias municipais e demais órgãos da prefeitura.

Essas atitudes, por si só, não tornarão o município, de uma hora para outra, referência em Direitos Humanos, por óbvio. Porém, para dar a largada, é preciso vontade política dos prefeitos, prefeitas e parlamentares municipais que, com consciência cidadã, desejem mudar para melhor a realidade local, sempre em prol da dignidade humana de quem mora nas suas cidades.

Olímpio Rocha – Advogado, Professor Universitário, Membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba.

Edição: Leandro Melito