"Na hora que a água invadiu a casa, eu estava colocando umas roupas para lavar e fazendo almoço. Foi uma coisa tão rápida, que me desesperei e não sabia o que fazer. Fiquei chorando, sozinha em casa".
O relato é da diarista, Maria do Socorro Belo, de 56 anos. Ela é uma das muitas pessoas que tiveram que deixar a casa por conta dos alagamentos em Belém do Pará. O governo anunciou que assinará ainda nesta segunda (16) um decreto que concede benefícios às famílias em vulnerabilidade social, mas até o momento, os moradores afirmam que a ajuda chega, apenas, por meio de voluntários e da Defesa Civil.
Socorro Belo está desempregada. Para se sustentar ela trabalha como diarista, o valor do trabalho chega a R$ 800 mensal. Apesar de viver com menos de um salário mínimo, ela foi obrigada a desembolsar R$ 450 para pagar aluguel, porque a sua casa é invadida pela água sempre que chove. Ela conta com a solidariedade do filho e amigos para enfrentar o problema.
"Me peguei com o meu filho que estava em Barcarena trabalhando. Ele é assalariado, né? Pedi dinheiro emprestado para um, para outro, para poder alugar um kitnet para colocar as coisas dentro, porque não tem condições de ficar dentro dessa casa toda molhada, suja, fria. Aí a gente vai ter que levar a vida, porque trabalhar não dá, porque estou com o pé todo ferido, acho que por conta dessas água", conta.
Ela é moradora do bairro do Maracangalha, no Conjunto Promorar, localizado na região metropolitana de Belém, uma das afetadas pelas enchentes. Entretanto, o problema não se resume a uma parte específica da cidade. Belém é situada às margens da Baia do Guajará. O Mercado do Ver-o-Peso, por exemplo, que é um dos cartões turísticos da cidade, virou um rio em que foi possível ver canoeiros circulando por onde diariamente passam carros, ônibus e caminhões.
O problema da chuva reúne uma série de fatores: o volume de águas característico dessa época do ano, em que a região vive o chamado inverno amazônico e também a alta das marés de março. Isso somado a uma cidade construída sem planejamento urbano, sem saneamento básico, sem macrodrenagem e com excesso de lixo nas ruas. O resultado dessa combinação são os alagamentos que se espalham por diversos pontos da cidade.
Socorro conta que no Conjunto Promorar o caso se repete há anos, mas as chuvas nunca tinham sido tão fortes como foi neste março de 2020. Na rua em que ela mora todas as casas ficam embaixo d'água. Quem conseguiu sair, como ela, saiu. Quem não tem condições está vivendo – como consegue – em meio às enchentes.
"No sábado também encheu, entrou água na casa. Eu tirei meu sofá, levei para a casa de uma vizinha minha. Subi minha geladeira, fogão e coloquei em cima da mesa a máquina. O colchão eu tinha tirado. Como pensei que não ia encher mais, peguei meu colchão e trouxe para casa para dormir e dormir em uma rede. Quando foi na segunda, uma catástrofe. De repente começou a encher essa rua. A primeira casa que foi para o fundo foi a da minha irmã. Fui ajudá-la a subir as coisas, quando olhei a minha já estava no fundo também", recorda.
O tempo não foi suficiente para salvar o colchão e cama. Os eletrodomésticos só não queimaram porque ela suspendeu antes que a água os alcançasse e os documentos, ela guardou em cima do guarda-roupa. Dona Socorro mede 1,51 e lembra que a água passou da metade do seu corpo."Foi horrível, a água estava dando na minha cintura", relata.
Para a diarista a preocupação agora é saber como vai fazer para pagar aluguel, luz, se alimentar e ainda comprar as coisas que perdeu. Na casa dela, moram ela, dois filhos e o neto, mas apenas ela e o filho têm renda. "A situação é essa. Quero voltar para casa, porque aluguel não está nos planos da gente. Aí está difícil, sem poder sair para trabalhar. Enfim, é complicado. É muito triste".
Sofrimento de anos
No bairro do Jurunas, a auxiliar de enfermagem Kátia Cristina Lopes, de 52 anos, conta que o mais lamentável é que o problema se repete por quase 10 anos e as autoridades não tomam uma atitude que dê conta de resolver o problema. Para ela, o mês de março é sempre motivo de apreensão, mas a situação das enchentes é tão complicada no bairro que em agosto de 2019 a casa dela também encheu de água.
"Quando chega época de inverno a gente já fica pensando e preocupado. Preocupado com o que vai vir. Só que a situação às vezes, financeira, é difícil da gente planejar, fazer alguma coisa e a gente sempre acreditando, imaginando que nunca o outro ano vai ser pior que o anterior. E não é só o mês de março. A gente teve situação ano passado que até no mês de agosto sofreu uma enchente no estilo dessa", lembra.
"Se tem obra é por pressão popular", diz morador
André Luís dos Santos, 34 anos, é morador do bairro Curió Utinga e acabou se tornando uma liderança e voz para os moradores do bairro depois que criou no Facebook a página Curió News, onde denuncia o descaso das autoridades em relação à população local. Ele conta que há diversos pedidos de socorro, inclusive, o de uma senhora que não conseguia andar e precisou de ajuda para poder sair da casa alagada.
"Tem uma área no Curió-Utinga que é área de assentamento: assentamento Canaã, Paraíso Verde, casas de madeira e ficou tudo no fundo. Exatamente por essa falta de obras. O prefeito [Zenaldo Coutinho, PSDB] anunciou uma obra agora, para iniciar dia 9 de março. As máquinas já estão lá, só que ainda assim o canal que corta, que vai receber as águas não está no projeto, porque eles alegam que é Governo do Estado. Então, só este ano, a comunidade já fechou três vezes a avenida João Paulo II [em protesto]. É uma luta constante. Mas a João Paulo II é o menor dos problemas. O maior problema são as comunidades que ficam onde essas águas vão desaguar, que estão ficando no fundo", relata.
Segundo Santos, as autoridades agem com descaso para o problema que afeta os moradores todos os anos. ele afirma que a realização das obras propostas pela prefeitura de Belém são fruto da luta de quem vive no local.
"Se está acontecendo a obra é por pressão popular, pressão da mídia, a imprensa, Ministério Público, Justiça. Não é porque o prefeito ou governador são bonzinhos não. Eram problemas para serem solucionados há muito tempo, ainda mais pelo prefeito que está indo para o oitavo ano. Então, se a população não fiscalizar de perto é capaz de a obra sair de qualquer jeito e sem o planejamento que vá, de fato, resolver o problema do Curió Utinga. Isso é inadmissível", afirma.
Situação de emergência
Na última terça-feira, 10, a prefeitura de Belém decretou situação de emergência em Belém devido aos alagamentos. A medida terá vigência por 180 dias. Carol Rezende, da coordenação do Comitê de Crise da Defesa Civil, explica que o decreto foi necessário diante das consequências expressivas vivenciadas na cidade.
"O decreto nos dá a possibilidade de contratações emergenciais sem a necessidade de se realizar licitação e também nos dá a possibilidade de buscar apoio de aporte financeiro junto ao governo federal para que a gente consiga intensificar e também investir em soluções para a crise que está instalada".
Segundo a coordenadora não há pessoas deslocadas para alojamentos cedidos pela prefeitura de Belém, porque não há perigo de desabamento.
"A situação de Belém é mais casos de alagamentos, alagamentos de volumes de água muito altos, mas que horas depois esse volume desce. A gente até então, não atestou risco eminente de desabamento. A gente tem um programa de acolhimento social, em Belém, e se houver necessidade do remanejamento de famílias, a gente faz o encaminhamento social junto à Funpapa, mas no momentos, os riscos mesmo estão sendo atestados como perdas parciais e utensílios e móveis", afirma.
Ela diz ainda que o comitê foi instalado para que a prefeitura trabalhasse de forma integral e em regime de plantão intensificando os trabalhos de limpeza, acolhimento social, vistorias pela defesa civil, monitoramento dos volumes de chuva e maré alta assim como tráfego de veículos, da segurança e da guarda municipal.
O Diretor de Resíduos Sólidos da Secretaria de Saneamento (Sesan), Marcus Carvalho, por sua vez, afirma que a prefeitura intensificou os trabalhos de limpeza dos canais e retirada de entulhos em locais onde as pessoas perderam objetos materiais, sobretudo, mas áreas mais baixas da cidade.
"Lembrando que a nossa cidade é uma cidade cota baixa onde 40% dela está abaixo do nível do mar e nós temos que frisar sempre que o nosso solo ele é encharcado, então, não percola a água [movimento descendente da água no interior do solo, de cima para baixo], logo, há esse acúmulo de água na superfície, nas ruas. Então, a gente tem que esperar a maré baixar para poder a água descer", explica.
Edição: Leandro Melito