A estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) dá ao Brasil superioridade no enfrentamento do novo coronavírus em relação a outros países, como os Estados Unidos, que dependem do setor privado para diagnosticar e cuidar de infectados, afirmam especialistas da área.
“Os sistemas nacionais públicos de saúde dão a vantagem para a sociedade, para o Estado, que é poder desenvolver uma campanha, um enfrentamento coordenado. Os sistemas únicos são uma rede que, ainda que tenha fragmentação como no Brasil, com estados e municípios, a fragmentação é bem menor do que, como nos Estados Unidos, que o governo teve que articular os serviços privados”, afirma o médico sanitarista Gastão Wagner de Sousa Campos, ex-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
A efetividade no combate ao covid-19, a doença ligada ao novo vírus, no entanto, depende de mais investimentos em estrutura e integração do sistema público brasileiro, diz Gastão. “Se a epidemia crescer, como previsto, está faltando, faltando principalmente médico, falta unidades básicas de saúde. O que tem que ser feito é investir recursos”, diz Gastão.
Na quarta-feira (13), o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, se reuniu com o Congresso para pedir a liberação de R$ 5 bilhões a serem usados contra o coronavírus. Embora os presidentes da Câmara e do Senado tenham sinalizado que vão aceitar o apelo, ainda não há uma decisão de como liberar o dinheiro.
Na esteira do pedido de Mandetta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse nesta sexta-feira (13) que vai pedir a liberação de outros R$ 5 bilhões, somando R$ 10 bilhões, para as ações de combate à epidemia.
Para Gastão Wagner, os primeiros passos para evitar que a pandemia mundial se alastre pelo Brasil são investir na contratação de mais profissionais da saúde – não só médicos –, aumentar leitos em unidades terapia intensiva (UTIs) e encorpar os laboratórios que fazem testes da doença.
Gastão diz que, como a maioria dos casos não são graves, o diagnóstico é primordial para evitar grandes danos à população. “Como 80% dos casos de coronavírus não são graves, mas tem que fazer o diagnóstico, muito importante fazer o diagnóstico para fazer o isolamento domiciliar. Recomendar que saia do trabalho, que saia da escola, que não se circule. Ficar isolado em casa”.
Para que os diagnósticos sejam rápidos e precisos, é necessário que, além de laboratórios estruturados, exista uma boa atenção primária. O governo Bolsonaro, contudo, desestruturou o principal programa de provimento de médicos aos centros de saúde, o Mais Médicos.
Agora, ao arrepio da crise, o governo lançou edital para contratar 5.811 médicos para o programa. Wagner diz acreditar que não talvez não haja tempo para que esses profissionais atuem durante o pico do coronavírus. "Não sei se vão conseguir, porque os médicos brasileiros são em maior parte especialistas, não querem trabalhar na atenção básica. Muito difícil conseguir médico para a atenção básica no Brasil, mesmo pagando um salário médio."
SUS
A infectologista Nancy Bellei, da Universidade de São Paulo (USP) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, reforça que, embora a estrutura não seja a ideal, o SUS tem capacidade para atender a população.
Para que isso ocorra, diz ela, é preciso que as ações de cada hospital ou unidade de saúde sejam definidas dinamicamente, conforme a especificidade de cada localidade.
“Os hospitais têm que ter um plano para entender a sua realidade. Um hospital no interior do Maranhão talvez não tenha que suspender nada nem fazer nada, porque talvez nunca vai chegar um paciente com coronavírus grave lá e nem um fluxo grande que ele vai ter que suspender. Por outro lado, você tem hospitais que vão ter situações que não podem ser suspensas. Você tem enfermaria de queimados. Vai continuar tendo queimados. Você tem enfermarias neurocirúrgicas. Vai continuar tendo acidente. Então depende muito da característica de cada hospital”, explica.
Nancy ressalta que o alarde em torno do coronavírus não condiz com a realidade que, até o momento, se nota nos atendimentos. “Apesar da notícia de que os casos estão explodindo, na prática a gente não está vendo isso. A gente está vendo um número de pacientes internacionais, que estão chegando em hospitais privados e fazendo teste. Na atenção primária, a gente não está vendo explosão ainda”.
Conforme a infectologista, as ações médicas devem ser coordenadas com ações de comunicação por autoridades, para que não exista um colapso desnecessário no sistema de saúde. Ela garante que, por ora, não há necessidade de medidas drásticas, como o cancelamento de cirurgias eletivas em todos os hospitais.
“As próprias pessoas ligadas a agências oficiais, que deram notícias que causaram essa explosão, deveriam corrigir a forma como falar, porque eu notei que, de ontem para hoje, universidades fecharam, eventos foram cancelados, pessoas procurando o pronto-socorro, em função de uma explosão que, na prática, não está acontecendo”, afirma Nancy. “Esse pânico, essas informações de uma epidemia explosiva, são um desserviço à população”, complementa.
Edição: Rodrigo Chagas