Por determinação da Justiça, a Fundação Nacional do Índio (Funai) terá de dar prosseguimento ao processo de demarcação do território do povo indígena Munduruku, em Santarém, no oeste do Pará.
A elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) do território havia voltado à estaca zero com a publicação da portaria 1.536/2019, pela Funai, que alterou a composição original do grupo de trabalho responsável.
O decisão judicial atendeu a uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e considerou que a portaria não apresentou nenhuma motivação e "padece de vício de nulidade em razão da ofensa ao princípio da legalidade, devendo, portanto, ser invalidada".
Segundo o procurador da República Gustavo Kenner Alcântara, o desrespeito da Funai ao pleito dos Munduruku é antigo e já motivou acordo acordos anteriores, incluindo aplicação de multas pessoais a gestores da fundação.
“A alteração injustificada do Grupo de Trabalho, como foi feita, fere a própria Constituição, que exige que atos da administração sejam realizados de forma impessoal. Neste caso você não tem justificativa nenhuma para retirar aquelas pessoas. Então, você dá a entender que na verdade quer colocar uma pessoa de confiança e esse cargo não é um ato de confiança, essa pessoa tem que ser técnica. Ao que tudo indica não havia nenhum elemento para se crer ao contrário em relação ao grupo de trabalho. Na verdade os atrasos que vinham acontecendo se devem a tudo, menos ao grupo de trabalho que estava sempre disposto e apresentando novos cronogramas para execução dos estudos”, pontua.
O procurador do MPF explica também que a portaria dá indícios de que os membros do GT foram destituídos, justamente, por realizar o seu trabalho.
“Dá a entender, a alteração que justamente porque estavam cumprindo a sua obrigação, o seu dever legal.Todo ato da administração precisa como regra de uma motivação, justamente, para que não haja arbitrariedades no poder público. Em razão disso foi o principal fundamento do juiz para se estabelecer a anulação desta portaria”, reforça.
De setembro a dezembro de 2019, a Funai descumpriu três ordens da Justiça Federal e, em janeiro deste ano, publicou no Diário Oficial da União, a portaria que alterou a composição do grupo.
12 anos de espera
Desde 2008, mais de 600 indígenas do planalto santareno solicitaram a adoção de medidas para dar início aos estudos de identificação e delimitação do território reivindicado pelos Munduruku.
Em 2018, o MPF obteve na Justiça uma decisão que obrigava a Funai a realizar os estudos. O prazo original para a conclusão e a análise técnica do RCID é 3 de dezembro deste ano.
Por já ter descumprido três ordens anteriores da Justiça Federal, agora, além da multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento, os gestores da Funai poderão responder por crime de desobediência, que pode resultar em até seis meses de prisão.
O procurador explica ainda que a forma como o GT foi alterado pela Funai fere a constituição brasileira.
O direito dos povos indígenas
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é publicamente contrário à demarcação de terras indígenas. Para o procurador, é dever do MPF a defesa dos povos indígenas, assim como a Lei Complementar 75, que é a lei orgânica do Ministério Público da União, que estabelece de forma expressa o dever diante de um cenário de violações.
“Nós temos problemas na saúde indígena, da prestação dedicação indígena, nós temos problemas de consulta a grandes empreendimentos. Então, nós temos diversos âmbitos de atuação que demonstram que o Estado brasileiro precisa muito de muita ação”, afirma o procurador.
Apesar do discurso do presidente, o procurador pontua que os direitos dos povos indígenas são constantemente desrespeitados.
“Ao contrário do que se diz que os índios teriam muitos direitos. Na verdade, de fato, nós temos um arcabouço jurídico que garante a eles vários direitos de autonomia, de respeito à sua cultura, as suas tradições aos seus modos de vida, mas na prática o que nós vemos são violações diárias. Cabe ao MPF, utilizando de seus instrumentos, sobretudo, inquérito civil, a recomendação, ação civil pública, audiências públicas, todos os instrumentos legais que estão ao seu dispor, utilizá-los adequadamente para garantir, de forma preventiva e também reparadora quando necessária qualquer direito e evitar qualquer violação a esses direitos. Não é uma tarefa fácil, mas o MPF tem procurado atuar da melhor forma possível utilizando de todos os seus instrumentos ilegais para evitar essas violações.”
O Brasil de Fato entrou em contato com a Funai, mas até a publicação desta reportagem não houve resposta.
Edição: Rodrigo Chagas