Paraná

Entrevista

Ibama virou órgão para licenciar a destruição ambiental, dizem ativistas

Ambientalistas protestam contra governo Ratinho e Bolsonaro e chamam atenção da sociedade

Porém.net |
O secretário do Meio Ambiente e Turismo do Paraná, Márcio Nunes, reage a protesto - Oruê Brasileiro

O aniversário do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi marcado por protestos de ambientalistas. Elas protestam contra a construção de um Porto Privado em Pontal do Paraná, ignorando projetos alternativos de desenvolvimento e Ecoturismo, contra o desmatamento da restinga e outras atitudes do poder público que levam à destruição do meio ambiente.

O Porém.net, parceiro do Brasil de Fato Paraná, conversou com as ativistas Daniela Borges, Verônica Rodrigues e Raíssa Fayet, que participaram do ato. Elas contam que o governo Ratinho Junior (PSD) tem a mesma agenda do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na questão ambiental e adota as mesmas práticas de enganar e produzir fake news contra quem luta pela preservação do ecossistema: “E assim eles vão enganando a população, colocando as ONGs como vilãs enquanto eles mesmos, nossos governantes, tratam de destruir qualquer desenvolvimento sério nesse país”, alertam.

Confira a entrevista:

Qual foi o objetivo da manifestação? O governo do Paraná não tem ouvido todos os lados?

Daniela Borges, Verônica Rodrigues e Raíssa Fayet: O objetivo da nossa manifestação no evento de aniversário de 31 anos do IBAMA foi enfatizar que a sociedade civil não está de acordo com essa agenda destrutivista e com esse desmonte ambiental, social e político que vem acontecendo em nosso estado e país. Os integrantes da mesa tornaram um evento que deveria ser sério e de extrema importância para a agenda ambiental do Paraná em um palanque político, com piadas desmoralizando ambientalista, cientistas e a própria sociedade civil.

Fizeram falas absurdas, incentivando desmatamento em unidades de conservação, em remanescentes de Mata Atlântica, validando o corte de restingas, a construção da faixa de infraestrutura no litoral do Paraná, mineração em terras indígenas e a abertura de uma rodovia em meio ao Parque Nacional do Iguaçu.

O deputado Ricardo Barros (apesar de a agenda ambiental não ser de sua competência) chegou a parabenizar o presidente Jair Bolsonaro por estar tentando licenciar mineração em terras indígenas por meio do PL191, por exemplo. O IBAMA foi transformado em um órgão para licenciar a destruição ambiental, não mais para proteger o meio ambiente. De forma alguma podemos deixar passar esses abusos de poder, que impactam diretamente nossas vidas e vão sacrificar as próximas gerações.

 

O governo foi criticado pelo Ministério Público por estar construindo uma estrada privada e desrespeitando o meio ambiente e o interesse público?

O governo foi criticado por diversas entidades, não apenas pelo MP. Estamos falando da construção de um complexo industrial portuário no coração da maior faixa continua bem preservada dos 7% que restam de nossa mata Atlântica, que pretende, além de desmatar e poluir, retirar povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem nessa região há anos. Sem contar as inúmeras mazelas que um complexo industrial, portuário causa.

Enganam a população, que necessita de melhor mobilidade na região, dizendo que essa estrada em questão, que não é só uma estrada, é uma faixa de infraestrutura para atender ao porto, vai resolver seus problemas, o que é uma grande mentira.

Se todo esse investimento, que está nas cifras de quase R$ 400 milhões, fosse investido em turismo, seria muito mais adequado para todos, sobretudo, para o equilíbrio  ambiental. E eles ainda têm coragem de dizer que o porto vai ajudar a prosperar o turismo da região! Mas fica a nossa pergunta: você costuma passar férias em regiões portuárias?

Quais são as alternativas ao Porto Privado?

Foi apresentado ao governo do Paraná um projeto alternativo à estrada, que oferece uma alternativa à região de Pontal do Paraná, favorecendo o desenvolvimento sustentável através do turismo.

Essa região está no coração da Grande Reserva Mata Atlântica, o último grande remanescente desse bioma, uma das áreas mais importantes em biodiversidade do mundo. Com espécies que só existem ali, como o Mico-leão-da-cara-preta e o Papagaio-de-cara-roxa. É uma região única, com belíssimos cenários naturais! Precisamos entender que o caminho mais inteligente é o da Produção de Natureza, promovendo uma economia restaurativa e inteligente.

Um complexo industrial portuário não é uma alternativa de desenvolvimento sustentável para a região. Sacrificar essa riqueza pelo lucro de poucos empresários seria dar um tiro no pé. Além do fato de que não há consenso sobre a necessidade de mais um porto na região, sendo que o Porto de Paranaguá tem capacidade de expansão que atenderia as demandas do estado ainda por muitos anos.

Há especulações de que o movimento contra a construção da estrada favorece ao Porto de Paranaguá. Vocês têm alguma ajuda de custo neste sentido?

É sempre esse jogo baixo de achar que cidadãos que defendem algo diferente do que pretende ser imposto está ganhando algo por fora. O que estamos fazendo é defendendo algo que é de todos nós. Não recebemos nenhuma ajuda de custo para nos manifestarmos a favor da causa ambiental. Isso nunca aconteceu.

Organizamos em coletivo para custear qualquer gasto que tenhamos em nossas ações. Nosso instinto de sobrevivência e amor pela natureza são as questões que nos movem. Em outra fala nesse evento vergonhoso para a história do IBAMA, um dos homens ali presentes, disse que muitas ONGs e ambientalistas são patrocinados por entidades internacionais que desejam que o Brasil não se desenvolva, reduzindo assim, todo um trabalho sério dessas entidades à pura artimanha para tirar o Brasil da competitividade. E assim eles vão enganando a população, colocando as ONGs como vilãs enquanto eles mesmos, nossos governantes, tratam de destruir qualquer desenvolvimento sério nesse país, tirando recursos da educação,  da pesquisa, sucateando setores estratégicos do país… tudo para justificar a sua privatização. Nossa nação, que é uma verdadeira potência mundial, vai se tornando, mais uma vez, um mero exportador de matéria prima. O povo que “se vire” comprando os produtos beneficiados lá fora a preço de ouro.

A questão ambiental no estado não se restringe apenas à estrada. O governo do Paraná também se envolveu em polêmica com relação à poda da restinga. O governo defende a necessidade da ação. Como o movimento avalia isso?

É muito maluco pensar que homens intitulados letrados sejam ignorantes nessa proporção. A Restinga protege, impedindo a erosão nas praias. Além de fazer parte do bioma Mata Atlântica, possui um ecossistema delicado e muito complexo. 80% dos ninhos de tartarugas encontram-se nas áreas de Restinga.

Há dois anos, Balneário Camboriú gastou R$ 85 milhões para alargamento de praia e recuperação de vegetação de restinga, por conta de vários problemas de avanço do mar na cidade. Não faz o menor sentido a retirada dessa vegetação tão rara e importante. Precisamos produzir natureza, não destruir. Talvez por perceber o tamanho da ilegalidade que cometeu, o Governo do Paraná revogou ontem (19) o decreto que autorizava o corte. Mas o dano já foi gerado e agora precisa ser reparado.

O governador Ratinho Junior é aliado do presidente Bolsonaro. Além do apoio na economia e política de segurança, o movimento entende que ambos tem uma agenda comum para o meio ambiente? E essa agenda seria o do desmatamento ou de interesses privados acima do interesse público?

Sim. Só vemos interesses privados de grandes corporações que querem dinheiro a qualquer custo. Essas mesmas corporações que bancam as campanhas políticas para depois terem seus projetos predatórios licenciados por governos corruptos e imorais.

Após o protesto no Ibama, que outras ações podem ser feitas para chamar atenção da sociedade?

Esse é nosso dilema. O que fazer? Enquanto a população não se envolver e exigir que os direitos do coletivo sejam atendidos, somos apenas sonhadores solitários lutando até o fim. A gente segue fazendo o que pode, que é levar informação para as pessoas, mas pensamos que é urgente que as fake news sejam combatidas, pois ainda existe muita gente que não acredita na seriedade da emergência climática pela qual nosso planeta está passando. Há urgência de se pensar no desenvolvimento de uma economia restaurativa. A ciência precisa ser respeitada e ouvida e as pessoas, que ainda não estão sofrendo as consequências, precisam acordar. Milhares de pessoas no mundo todo já sentiram na pele a força negativa de uma mãe Terra que sofre com tanto desequilíbrio. E os Sinais serão mais fortes a cada dia. Mais inundações, secas e incêndios, cada vez mais potentes e devastadores. Não é previsão, já está acontecendo. Acordem desse sono profundo e vamos juntos e juntas fazer as mudanças necessárias para que as próximas gerações tenham um futuro digno. É possível fazer diferente! O que falta é vontade política e uma sociedade comprometida com o bem coletivo!

Edição: Lia Bianchini