Os desafios de cura que temos pela frente são gigantescos e diferentes de tudo o que já enfrentamos
Os organismos que se alimentam de outros e lhe causam danos são conhecidos nas ciências biológicas como parasitas. O hospedeiro é o espécime que é afetado ou parasitado.
Metaforicamente, usamos o termo científico para designar indivíduos ou coletivos que agem de igual forma nas relações sociais. A escolha do nome do filme sul-coreano agraciado com o Oscar não é, evidentemente, casual.
O roteiro, que mostra uma sociedade fraturada, faz explícita alegoria da luta de classes, assim como em outras obras do diretor, com fundo evidentemente anticapitalista, mostrando a relação entre os extremamente ricos e os miseravelmente pobres, de forma quase caricata, em que a base da pirâmide do extrato social é um porão. Aposta no papel redentor da violência como único resultado presumível, após o crescimento das tensões.
Os parasitas de Bong Joo-Ho não de simples compreensão, migram de perspectiva durante o filme mostrando uma retroalimentação.
O processo de democracia vivenciado por vários países se firmou em décadas de estabilidade política, desenvolvimento econômico e produção de bem-estar social. Foi feito com a união entre democracia e liberalismo. No entanto, o que se tem hoje em grandes nações, entre as quais o Brasil, é um liberalismo antidemocrático, autoritário e com viés neofascista.
No campo dos discursos dos dirigentes do governo brasileiro, a resposta para as crises, seja econômica, política ou de gestão, encontra bodes expiatórios para buscar justificativas. Em seus sucessivos ataques verbais e ameaças às Ongs ambientalistas, Jair Bolsonaro costuma incluir fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Trabalho e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O titular da pasta da educação, Abraham Weintraub, chamou, em setembro passado, professores de universidades federais de “zebras gordas” e, mais recentemente, temos a fala do ministro da economia Paulo Guedes, que chamou os servidores públicos de parasitas.
Embora servidores públicos sejam constantemente enxovalhados pelo governo, estudo divulgado pelo Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em dezembro de 2019, denominado Atlas do Estado Brasileiro, traz dados sobre a estrutura e a remuneração no serviço púbico federal, estadual e municipal do Executivo, Legislativo e Judiciário e demonstra que a expansão do setor público em três décadas (1986-2017) é similar à do mercado formal do setor privado, desdizendo o enunciado comum de inchaço da máquina.
A eficiência do serviço público, exigência de índole constitucional, por outro lado, requer boas condições de prestação das atividades estatais, estímulo à contínua qualificação e correta estrutura oferecida pelo Estado.
Existem mecanismos formais de verificação da devida prestação do serviço público. Estigmatizar o servidor, proferindo publicamente frases de impacto demonstra uma fissura na democracia, mas o problema é bem mais profundo que isso.
Em outra ponta o ministro da economia Paulo Guedes, reeditando o discurso de um personagem grotesco da TV, profere seu ódio a pobres, defendendo a alta do dólar para que empregadas domésticas não viagem à Disney.
As retóricas, que se assemelham a piadas de péssimo gosto, são, na verdade, demonstrativos do comportamento autoritário do governo de Jair Bolsonaro, sem qualquer compromisso com as instituições democráticas. Como um parasita, ele as utiliza apenas para sustentar seus propósitos e ações.
Tuanny, minha sobrinha e bióloga preferida, me ensinou que o efeito de um parasita no hospedeiro depende de vários fatores. Pode não lhe afetar as funções vitais como pode causar a sua morte ou uma grave doença. O parasita pode se reproduzir e disseminar os seus descendentes, que infestam outros hospedeiros e perpetuam a espécie.
Os parasitas da democracia brasileira a estão tornando doente. O diagnóstico é evidente. O enfraquecimento das instituições do Estado Democrático de Direito, os projetos de inspiração fascista sobre os órgãos colegiados, que desconstituem a pluralidade para fazer calar o senso crítico restante, a destruição da educação, os ataques à imprensa e os discursos higienistas e de ódio aos direitos humanos, que parecem testar a capacidade do nosso sistema imunológico, são cotidianos.
Os desafios de cura que temos pela frente são gigantescos e diferentes de tudo o que já enfrentamos. Não há um antibiótico capaz de dar conta disso em poucas doses. Não serão as próximas eleições ou as seguintes a elas. São etapas a longo prazo, nas quais eleições são apenas uma pequena parcela da luta.
Edição: Leandro Melito