Imagina você passar o dia inteiro trabalhando e no caminho de casa, já à noite, saber que os caveirões estão invadindo a sua favela, estão causando terror, atirando, jogando bombas, invadindo casas e roubando moradores? Foi o que passei ontem, dia 12 de fevereiro. Foi o que nós moradores e moradoras da Maré, favela da Zona Norte do Rio de Janeiro, passamos ontem.
O que se faz numa situação como esta? Alguns do lado de fora querendo apenas entrar nas suas ruas e casas. E quem tá lá dentro? Quem tá lá preocupado, sem luz, querendo relatar o terrorismo de Estado e preocupados com os seus familiares que estavam na beira da Avenida Brasil!?
Ainda acordamos com a notícia de que diversos profissionais de saúde foram demitidos de suas funções, e adivinha os locais que estes profissionais de saúde atuavam? Nas favelas, nas periferias! De novo, nós, população empobrecida, pagando com a própria saúde, com a própria vida. É o descaso do Estado com esta população que é de uma maioria negra, outros vindos do norte e nordeste brasileiro…É o racismo estatal, aqueles que vem de cima para baixo para acabar com a vida daqueles que fazem a cidade acontecer.
Há mais de um mês esta mesma população periférica e favelada do Rio sofre as consequências de uma má administração das autoridades públicas em outros direitos que é ou deveria ser básico, a água. Literalmente, nós população empobrecida estamos bebendo água suja, poluída, contaminada, deixando esta mesma população doente. Parte dos moradores do Rio conseguem, pelo menos, comprar água mineral para beber nos supermercados, mas quem não tem grana nem para comer? Estes que não tem grana, pensam até que beber água hoje é, também, mais um privilégio!
Para terminar, lembrar que vivemos num momento de grande interesse de privatização dos nossos serviços públicos de saúde, educação, transporte, dentre diversos outros ditos direitos que nem mesmo era oferecido à nós pobres. A tentativa de privatização de todos esses serviços só vão fazer com que tenhamos menos chance de alcançar esses direitos que lutamos tanto para que melhorem e para que sejam de igual modo oferecido e distribuído à todos e todas nós. Não queremos tiros, nem desmonte da saúde, nem da educação e nem água contaminada, queremos o direito à vida e direito à vida significa que a população que já tem os seus direitos garantidos lute com a gente pelo básico que temos e que, atualmente, estamos perdendo...
*Moradora da Maré, jornalista (Puc-Rio), mestre em Comunicação, Educação e Cultura em Periferias Urbanas (Febf-UERJ) e integrante do Movimento de Favelas do Rio de Janeiro.
Edição: Vivian Virissimo