Uma audiência pública debateu em Marabá, sudoeste do Pará, os impactos da Medida Provisória (MP) 910/2019, assinada em dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), para permitir a regularização fundiária de terras da Amazônia.
A intenção do governo é legalizar, até 2022, cerca de 600 mil imóveis rurais. Críticos à MP afirmam que grileiros que invadem e desmatam a floresta Amazônica serão premiados com a titulação.
O evento ocorreu na manhã desta segunda-feira (10) na Câmara de Vereadores do município e teve a presença do autor intelectual da MP, o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura (Mapa), Luiz Antônio Nabhan Garcia.
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Participaram mais de 600 pessoas, uma maioria de trabalhadores rurais da região, preocupadas com a falta de respostas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em relação a ocorrência de cadastros rurais com áreas sobrepostas. No processo de titulação, temem os camponeses, os conflitos podem ser resolvidos a favor dos proprietários mais ricos.
Sem o respaldo do Incra e dos projetos de assentamento da reforma agrária apoiados pelo instituto as famílias de agricultores tendem a ficar vulneráveis à pressão financeira e territorial de fazendeiros.
“O título por si só não é uma política de reforma agrária. Vai dar o documento de posse do assentado, mas vai tirar a responsabilidade do governo federal nos assentamentos e jogar para os municípios. Uma parte desses municípios aqui são precarizados, municípios que têm um orçamento muito pequeno e que não atende a demanda da reforma agrária. Esse programa de titulação que está se dando é uma proposta criada pela bancada ruralista justamente para findar com a política de reforma agrária, sobretudo, nessa região da Amazônia que é um palco muito grande de conflitos agrários”, relatou Welligton Ferreira, agricultor de 25 anos que mora no assentamento 1º de Março.
Reforma agrária e a titulação de terras
Ferreira explicou que os conflitos por terra têm se acirrado na região desde o anúncio da MP da regularização fundiária
"O Incra de Marabá tem 506 projetos de assentamento sob sua demanda e essa região é fruto de conflito agrário, é o maior cenário de reforma agrária, mas é também o maior palco de conflitos agrários, tendo em vista essa questão do agronegócio onde os conflitos foram se acirrando.”
O estado do Pará concentra mais da metade das ocorrências de desmatamento na região amazônica e segue, somente, com a atuação de um superintendente interino para o Incra. Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da área total desmatada entre agosto de 2018 julho de 2019, 59% foi no Pará, com o agravante de que grande parte das terras atingidas (71%) são federais.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não foi convidado para o evento, mas militantes compareceram para demarcar posição contrária à regularização fundiária nos moldes propostos pelo governo. O ruralista Nabhan Garcia, secretário de assuntos fundiários de Bolsonaro, pediu que o MST deixe de ocupar terras para poder participar do processo de titulação.
“Nós precisamos estabelecer um pacto aqui no Pará e no Brasil. Paramos com as invasões e os senhores só terão a ganhar. Os senhores terão as portas abertas para o diálogo e não vai faltar terra para os senhores. Mas paramos com as invasões.”
O coordenador estadual do MST no Pará, Tito Moura, denunciou que, ao contrário do que declara o governo, a MP 910 prioriza os interesses dos grandes proprietários de terra, interessados em expandir suas fazendas com terras legalizadas e de baixo custo.
"O Nabhan Garcia não trouxe nada de novo. Trouxe o que a gente já sabia que essa questão da regularização fundiária. Isso é um labirinto vai beneficiar os ricos, os grandes fazendeiros, os grandes grileiros. A pobreza está aumentando. A fome vai aumentar no nosso país. A crise está se agravando. Então, para os pobres não tem outra saída. É a ocupação de terras improdutivas.”
Segundo Moura, é preciso que o governo federal entenda que a reforma agrária é muito mais do que entregar títulos de terra a produtores rurais.
“Tem que criar as condições no assentamento de escola, de estrada, de recursos para os agricultores, para os sem-terra trabalharem. Então, eles não trouxeram nada de novidade. Tem que aparelhar o Incra, os sem-terra passam pelo Incra, os grandes fazendeiros passam pelo Incra. Tem que aparelhar o Incra, justamente, para trabalhar essa questão da Reforma Agrária. O Incra está parado."
Edição: Rodrigo Chagas