A ausência de pautas da área de educação na lista de prioridades apresentada na segunda-feira (3) pelo governo Bolsonaro e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), teve repercussão negativa entre parlamentares. Para a coordenadora da Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais, deputada Margarida Salomão (PT-MG), a exclusão das demandas do campo não surpreende, mas merece atenção.
“A pauta da educação não existe para o governo Bolsonaro, a não ser como campo de guerra. Se existisse como política pública, em primeiro lugar, eles estariam empenhados na aprovação do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da educação Básica]. Isso, aliás, é uma emergência. O fato de o Fundeb não ter sido enumerado como prioridade eu considero um escândalo”, criticou, em entrevista ao Brasil de Fato.
Criado por meio de uma emenda constitucional em 2006 e regulamentado no ano seguinte, o fundo nasceu com previsão de duração até 2020 e tem o objetivo de canalizar recursos para a educação básica, que engloba os ensinos infantil, fundamental e médio. No ano passado, 65% da verba investida em escolas públicas do país vieram do Fundeb. Foram, ao todo, R$ 156 bilhões.
Caso não seja aprovada, até 31 de dezembro deste ano, uma proposta de continuidade do financiamento, a tendência é que a área viva uma asfixia mais violenta a partir de 2021, com carência de verbas para custear a estrutura das instituições de ensino, pagar professores e demais funcionários das redes estaduais e municipais de ensino.
Na pauta prioritária apresentada na segunda, durante abertura do ano legislativo, Maia e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, destacaram a primazia que será dada pelos dois poderes à reforma tributária e às pautas de enxugamento do Estado. Estas últimas se distribuem entre propostas de redução de salários e jornada de servidores, privatizações e outras medidas.
Paralelamente, tramitam no Congresso pelo menos três medidas que buscam renovar o Fundeb, mas as propostas empacam nos planos do governo de prosseguir com o ajuste fiscal, que penaliza em especial as áreas sociais. Prioridade maior para 2020, a reforma tributária também é vista como um empecilho a mais na luta pelo fundo, que é mantido por meio da arrecadação de impostos.
Ao proporem medidas que enxugam o sistema de tributação, as duas principais reformas em destaque no Congresso podem inviabilizar o financiamento da educação básica.
“O Fundeb diz quais são os tributos que vão ser incorporados na cesta de impostos, mas, por exemplo, se surgir um IPVA federal, que é uma possibilidade, o IPVA estadual, que é onde incide o Fundeb, deixa de existir, e aí você tem uma lei que fica vaga. Se existir um imposto por valor agregado, que é uma possibilidade que também está posta, o Fundeb também deixa de incidir sobre esse tributo”, exemplifica o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.
Por conta disso, a oposição tenta emplacar uma proposta de reforma solidária, que reduz a taxação sobre o consumo e aumenta as cobranças sobre renda e patrimônio. De acordo com especialistas que acompanham o tema, a medida teria potencial para ampliar os ganhos do Estado com tributos, favorecendo as políticas públicas, como é o caso do Fundeb.
“Nós vamos trabalhar esse conceito. Não há dúvida de que a nossa prioridade será mudar o rumo dessa reforma tributária. Depois, evidentemente, [vamos procurar] alterar essa questão da ausência de prioridade pras questões de Estado”, sublinha a 2ª vice-presidenta da Comissão de Educação da Câmara, Alice Portugal (PCdoB-BA).
Articulação
Diante do movimento de redução da máquina estatal, a leitura é de que a luta pelo Fundeb, hoje encampada pela oposição e parte do chamado “centrão”, deverá enfrentar resistência do presidente da Câmara e de parlamentares mais próximos do governo.
Apesar disso, há uma expectativa de que a pauta de defesa da educação possa, por outro lado, ajudar a convulsionar o movimento de críticas à gestão Bolsonaro este ano, inclusive porque a ausência de medidas propostas para a área foi mal recebida também por parlamentares do chamado “centrão” que lidam com o tema. É o caso do presidente da comissão que atualmente avalia o Fundeb na Casa, Bacelar (Pode-BA).
“O desastre do último ano na educação brasileira parece que vai continuar. O presidente da República, na mensagem à nação, não mencionar a educação é um sinal de que a educação não é prioridade para o senhor Bolsonaro”, criticou o parlamentar na segunda-feira, logo após o governo apresentar a pauta do ano.
Com a proximidade das eleições municipais, a votação de medidas de caráter impopular ou a colocação de áreas como educação e saúde no escanteio da política são mal vistas por parlamentares. Enquanto tentam ampliar sua influência nos estados por meio do pleito municipal, deputados e senadores sofrem maior pressão da sociedade civil para a aprovação de medidas de interesse social, o que pode fazer o movimento de aprovação do Fundeb crescer além do esperado no Legislativo ao longo do ano, impactando os planos do governo.
“No parlamento, é muito ruim votar contra a educação. Você tem um sentimento que ultrapassa as fronteiras partidárias e ultrapassa o campo da esquerda na defesa da educação. Não estou desalentada com relação a isso. Acho que o Congresso – que votou a reforma da Previdência, contra nós, mas também não votou a reforma da Previdência do Guedes e do Bolsonaro – vai votar o Fundeb”, acredita Margarida Salomão.
Edição: Leandro Melito