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O que é um presidente "autoproclamado" na América Latina?

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Juan Guaidó, o "autoproclamado" presidente da Venezuela, nunca foi eleito para tal função. - Zak Bennett/AFP
A autoproclamação é mero exercício de tirania

Nos últimos meses temos ouvido bastante o termo, desconhecido até então pela maioria das pessoas, do presidente autoproclamado. Mas que figura é essa que não consta nas constituições dos países nem na teoria política atual?

Ao estarmos atento aos noticiários de política internacional, não é difícil observar alguma chamada jornalística falando de Juan Guaidó, o "autoproclamado" presidente da Venezuela, ou de Jeanine Áñez, a "autoproclamada" presidenta interina da Bolívia, que nunca foram eleitos para tal função. A princípio, não se identificam precedentes que guardam essa figura de presidentes "autoproclamados" na América Latina, apesar dos meios de comunicação não terem questionado a validade jurídica dessa forma de se alcançar um cargo tão importante.

Nos dias de hoje, inclusive nos países citados, para se alcançar o cargo mais alto do Poder Executivo, o de presidente, é necessário passar por um crivo de legitimidade e legalidade. Esses elementos são verificados através de eleições, em que o povo daqueles países são os protagonistas desse processo de escolha. Se reconhecemos a legitimidade popular e a legalidade do processo eleitoral como requisitos fundamentais em um Estado Democrático de Direito, amparado pelas normas constitucionais, a primeira constatação que fazemos é que a figura de um presidente "autoproclamado" além de ilegítima, é ilegal.

Dessa forma, não é tarefa simples compreender e, sobretudo, justificar os reais motivos para a existência desse tipo de figura que aparentemente tenta cumprir a função de representação política nesses países. Para entender a América Latina, é importante olharmos para nossa história e vermos até que ponto existem precedentes semelhantes ao chamado presidente "autoproclamado" em algumas experiências na América Latina e na África.

- Brasil (1964); Chile (1973); Argentina (1976): Após a derrubada de governos democraticamente eleitos por golpes militares financiados pelos Estados Unidos, no que posteriormente foi revelado e denominado de operação Condor, os novos ditadores foram alçados à Presidência. Visto que representavam as Forças Armadas, braço armado do golpe militar, essa instituição escolhe o membro a assumir a Presidência e ignora o processo eleitoral universal, trata-se de autoproclamação institucional para esse cargo. Daí a aparição do brasileiro Castelo Branco, do chileno Augusto Pinochet e do argentino Jorge Videla.

- Zaire (atual República Democrática do Congo): em 1960, o primeiro governante eleito foi Patrice Lumumba, que havia defendido a independência do seu país e tinha posturas anti-imperialistas e pan-africanistas. Em pouco tempo seu governo foi derrubado em um golpe de Estado por Joseph Mobutu, com o apoio de Bélgica e Estados Unidos. Pouco tempo depois, Mobutu abole as eleições e se "autoproclama" presidente, ficando de 1965 a 1997 no poder.

O que se observa é que casos históricos semelhantes aos recorrentes na figura de presidentes "autoproclamados" são precedidos de golpes de Estado e rompimento democrático eleitoral. Não por acaso, a boliviana Jeanine Áñez surge após um golpe militar típico que desrespeita o resultado eleitoral na Bolívia e o venezuelano Juan Guaidó, em uma clara tentativa de interromper abruptamente um mandato presidencial em andamento.

Desconsiderar a histórica interferência política dos Estados Unidos na desestabilização de regimes populares latino-americanos para atender a interesses geopolíticos próprios é desconsiderar a própria história. A figura pitoresca do presidente “autoproclamado” é mais um desses instrumentos de quebra e desrespeito à soberania e à vontade popular manifestada através do voto.

Lembrando que, em um regime democrático normalizado, por pior ou melhor que seja o/a presidente/a, ele ou ela deve ser eleito e retirado pelo voto popular. Diante disso, a autoproclamação é mero exercício de tirania. Assim, quando ouvirem alguma figura "autoproclamada" falar em restabelecimento da democracia, suspeitem, pois a última coisa que ele respeita é o voto popular!

Edição: Cris Rodrigues