ENTREVISTA

"Trump combate o socialismo nos EUA porque estamos crescendo", afirma Gloria La Riva

Candidata às prévias da eleição presidencial dos EUA pelo Partido Socialismo e Liberação analisa a conjuntura política

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
La Riva sobre crescimento do partido: "Alguns estão mudando para a direita, outros estão começando a ver que a única saída é a revolução"
La Riva sobre crescimento do partido: "Alguns estão mudando para a direita, outros estão começando a ver que a única saída é a revolução" - Michele de Mello

O ano de 2020 terá pela frente uma série de episódios decisivos para a política internacional. Sem dúvidas, um deles é a eleição presidencial nos Estados Unidos. Donald Trump tentará a reeleição, apostando no histórico de que praticamente todos os presidentes estadunidenses que disputaram a reeleição, venceram.

No entanto, antes disso, enfrenta um processo de impeachment, acusado de abuso de poder e obstrução ao Congresso. A disputa eleitoral de 2020 teria sido o motivo que levou Trump supostamente a pressionar o governo ucraniano para entrevistar seu principal oponente, o ex-vice-presidente Joe Biden.

Enquanto o juízo político -- atualmente em análise pelo senado -- não termina, Trump segue com suas funções como chefe de Estado e continua bem posicionado nas pesquisas eleitorais.

Para entender o contexto político nos EUA, o Brasil de Fato conversou com Glória La Riva, que disputará as eleições como candidata à presidência pelo Partido Socialismo e Liberação -- organização formada 80% por jovens e que está apta a concorrer às primárias em 14 dos 50 estados.

Analista política, natural de Albuquerque, estado Novo México, ex-militante do Partido Mundial dos Trabalhadores, foi uma das coordenadoras do comitê pela libertação dos chamados cinco heróis cubanos -- agentes da inteligência de Cuba presos em 1998 nos Estados Unidos e finalmente soltos em 2017.

Ela comemora o crescimento de seu partido e acredita que muitas pessoas estão despertando para o fato de que a única saída "é anti-capitalista". "Temos um longo caminho, mas de repente pode aparecer uma crise e uma luta que mude tudo. Veja o que aconteceu na Venezuela: primeiro o Caracaço e depois surgiu Chávez e mudou a história para sempre."

Leia a entrevista completa:

Brasil de Fato: Como você analisa o cenário eleitoral estadunidense? Existe uma polarização real na sociedade entre Trump e Sanders?

Gloria La Riva: Como Partido Socialista, entendemos que é necessário estar nas esferas onde as pessoas concentram sua atenção. O povo está concentrado nas eleições deste ano. Todos querem saber quem será o presidente de Estados Unidos, quem vai nos atacar ou se vai nos atacar.

Então é nosso dever disputar as eleições, falar da luta. É necessário que nós socialistas entremos nesse cenário, falemos das lutas históricas que trouxeram melhorias para as pessoas.

Neste ano há algo muito interessante, porque Bernie Sanders, apesar de ter muita idade, milhões de jovens o apoiam. É necessário reconhecer isso, se não estaríamos mudos e cegos frente a realidade.

No entanto, ele tem suas contradições: acusar Maduro e Ortega, por exemplo. Mas nos Estados Unidos, apesar de a imprensa ocultar a popularidade de Sanders, já se sabe que ele tem grande possibilidade de ser o candidato do partido Democrata, se a liderança do partido não fizer nenhuma tramoia contra ele.

O povo está concentrado nas eleições deste ano. Todos querem saber quem será o presidente de Estados Unidos, quem vai nos atacar ou se vai nos atacar.

Eles estão tentando, mas ao mesmo tempo estão pensando sobre como cooptar, não Sanders, mas o movimento que está por detrás dele? Esse será o grande desafio.

Quando Obama foi eleito -- alguém que nunca disse nada progressista, era pura ilusão, e que logo começou com as guerras, o golpe em Honduras --, os liberais se calaram um pouco.

Há um medo de que surgiriam expectativas de uma mudança e esse é o perigo para os democratas.

Sanders então seria essa esperança socialista dentro do partido Democrata?

O que Trump fez nesses quatro anos é horrível. Bernie Sanders poderia reverter muitas coisas, mas o capitalismo como se desenvolveu, com milhões de pessoas nas ruas, esse fenômeno não para.

Sanders disse num debate no ano passado que não queria tomar os meios de produção. Então me diga como vamos controlar os latifundiários? Como vamos controlar a polícia? É necessário derrubar o sistema.

Sanders poderia fazer algum acordo com o deep state para ser o candidato democrata?

Não, eu acho que esse vai ser o desafio das pessoas, de alçá-lo como candidato. Eu acredito que ele poderia ser o único que consiga derrotar o Trump, porque é um opositor quase completo. Ele se distingue dos democratas.

Sander poderia animar algum setor que votou por Trump, porque são pobres e porque não veem soluções, não veem esperanças nos democratas – e com razão.

Como Trump poderia ser reeleito depois de passar pelo maior fechamento das instituições públicas da história dos Estados Unidos e agora passando por um processo de impeachment?

É incrível o que aconteceu com esses quatro anos de Trump -- e também com Obama e Bush --, porque diminuíram tanto a taxa de impostos aos ricos, que é impressionante.

Em 1950, as 400 maiores empresas pagavam 70% de impostos sobre a renda. Com Obama já eram 35%. Quem paga isso? Os trabalhadores. Nesse período impuseram novos impostos e começaram a cobrar mais caro por serviços ou até mesmo suspender alguns serviços.

O partido Democrata tem um papel especial nos Estados Unidos que é fingir que representa os trabalhadores, mas cada vez mais estão caminhando para a direita.

Se com Obama era 35% de impostos sobre a renda, com Trump, em 2017, ele aprovou uma lei cortando de 35 para 23%. Ao assinar essa lei, imediatamente as corporações passaram a fazer lobby para que se diminuísse ainda mais a taxa.

No ano passado, essa 400 maiores empresas pagaram 11% de impostos sobre os seus lucros.

Enquanto isso, estão cortando milhões de vales alimentação, milhões de pessoas que estão em situação de pobreza.

Tudo isso tem feito as pessoas pensarem e dizer: isso não serve. Por isso muitos jovens estão aderindo aos movimentos socialistas.

Como os movimentos sociais se organizam para estas eleições?

Nós estamos organizados em 14 estados para as eleições, porque se requer muitas assinaturas para poder concorrer a uma eleição em um estado. Os Republicanos e Democratas aparecem automaticamente nas boletas de votação.

O partido Democrata tem um papel especial nos Estados Unidos que é fingir que representa os trabalhadores, mas cada vez mais estão caminhando para a direita. Já nem sequer podemos classifica-los como liberais. Eles têm outro papel e é de cooptar os movimentos sociais.

Mas existe uma plataforma. Existem muitos da esquerda verdadeira, esquerda anti-imperialista, inclusive nosso partido. E essa plataforma é anti-capitalista.

Também estamos com os ambientalistas que sabem que é o sistema que precisa mudar completamente, porque é o sistema que está destruindo o planeta.

Estamos vendo um movimento, uma mudança. Alguns estão mudando para a direita, outros estão começando a ver que a única saída é a revolução. Estão inspirados pela Venezuela, apesar da guerra midiática.

Há esperança no futuro?

Somos otimistas, estamos baseados nisso. Nos unimos a uma luta que pode parecer impossível, mas o fato de que estamos nessa luta pelo socialismo dentro dos Estados Unidos significa muito otimismo, muita decisão.

Eles sabem que por conta de sua busca desenfreada pelo lucro, também estão cavando sua própria cova e no entanto não podem parar.

Quando aconteceu o episódio da falsa ajuda humanitária eu estava aqui, estive na ponte Las Tienditas, na fronteira com a Colômbia e o que o Trump disse nesse momento? Disse que os Estados Unidos iriam derrotar o socialismo na Venezuela, Nicarágua e Cuba e que jamais permitiria o socialismo nos Estados Unidos.

Por que ele disse isso? Por que estão preocupados, porque, de certa maneira, não podem frear sua busca constante por maximizar o lucro. Ele e os outros presidentes [dos Estados Unidos] representam o capitalismo, o imperialismo. Eles sabem que por conta de sua busca desenfreada pelo lucro, também estão cavando sua própria cova e no entanto não podem parar. Um não pode parar frente à concorrência com outro.

Trump diz não ao socialismo nos Estados Unidos porque estamos crescendo. Temos um longo caminho, mas de repente pode aparecer uma crise e uma luta que mude tudo. Veja o que aconteceu na Venezuela: primeiro o Caracaço e depois surgiu Chávez e mudou a história para sempre.

Como fortalecer os movimentos progressistas dos Estados Unidos?

Lutando, estando nas ruas, sendo visíveis.

Nós aumentamos mais de dois terços do partido nos últimos três anos, depois de Trump. O partido foi criado há 15 anos, em junho de 2004, logo da segunda vitória eleitoral de Bush e parecia que era um período de reação, mas foi o momento propício, porque sabíamos o que vinha por diante e que era necessário criar um partido, uma organização com ideologia e capacidade de lutar, por isso nosso partido é mais de 80% jovem.

Mas precisamos crescer mais, estamos falando do monstro do mundo.

Existe perseguição contra a esquerda nos Estados Unidos?

O governo está antecipando um ressurgimento do movimento de esquerda, por isso aprovaram muitas leis que criminalizam ações que antes eram algo menor.

Por exemplo, em Washington DC, o governo federal conseguiu passar uma lei para que qualquer ato em parques nacionais, como em frente à Casa Branca, exija um autorização do Estado que agora custa milhares de dólares. Ou seja, inviabilizaria qualquer tipo de protesto. No entanto, centenas de milhares de pessoas enviaram queixas e conseguiram derrubar a legislação, mas esse é só um exemplo do que fazem.

Agora vejam o que estão fazendo com Julian Assange. É o mesmo que dizer a qualquer jornalista: "veja o que pode acontecer com você se você divulga qualquer crime do governo."

Edição: Rodrigo Chagas