Revolucionário

José Martí: 167 anos de história e legado em “Nuestra América”

Herói da independência cubana, ainda hoje o líder popular é reivindicado por militantes e movimentos latino-americanos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Estátua de José Martí em Cienfuegos, Cuba
Estátua de José Martí em Cienfuegos, Cuba - Foto: Wikicommons

Yo soy un hombre sincero 
De donde crece la palma
Y antes de morirme quiero
Echar mis versos del alma

Yo vengo de todas partes
Y hacia todas partes voy
Arte soy entre las artes
En los montes, monte soy 

A letra da famosa música Guantanamera, de melodia de Joseíto Fernández, é parte de um poema escrito pelo revolucionário e poeta cubano José Martí, que, neste dia 28 de janeiro completam-se 167 anos da data de seu nascimento. 

Lutador pela independência de Cuba e unificação da América Latina, no ideal chamado de Pátria Grande, Martí é reverenciado por militantes e movimentos populares.

Para o secretário continental da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), na articuação dos movimentos, o argentino Gonzalo Armúa, o principal legado de José Martí nos dias atuais “tem a ver com a ideia da independência e do nacionalismo revolucionário, que buscou a unidade de todas as frações que naquele momento estavam combatendo contra o colonialismo espanhol”. 

“Em relação à América Latina, o maior legado que nos deixou Martí foi a concepção de toda a América Latina -- não a América Anglo-Saxônica e nem a norte-americana -- com uma unidade cultural, identitária, de luta e de resistência frente ao colonialismo, mas também frente ao novo imperialismo norte-americano. Martí, quando se refere à ‘Nossa América’ está dizendo que eles têm a sua América -- a América do Norte que quer conquistar o restante do continente -- e nós temos a nossa América”, explica.

Para além disso, Armúa ressalta que em Cuba, até hoje José Martí é visto como o grande herói da pátria. “Sabemos que Martí não é somente um dos líderes do processo de independência, mas é também um dos escritores e poetas mais importantes de todo o continente. É um dos pensadores que mais desenvolveu a ideia de como organizar a força revolucionária, de como organizar o país, de como construir essa identidade nacional.”

Ao Brasil de Fato, Gonzalo analisa que José Martí é uma inspiração para a construção de uma pátria grande, livre e soberana, que une os povos de “Nuestra América”. “Todas as concepções anti-imperialistas latino-americanas vão beber de Martí. Vai atualizar todo o projeto de pátria grande de Bolívar, San Martín, de Morellos, com a perspectiva contra o imperialismo norte-americano. Vai construir o conceito de ‘Nuestra América’, que vai ser parte da identidade da tradição popular revolucionária do continente”; tradição esta que a Alba Movimentos.

Manifestação em Cuba reivindica José Martí (Foto: Fernando Medina / Cubahora)

História pessoal e política

José Julián Martí era filho de espanhóis e nasceu em Havana. Assim como muitos outros revolucionários, iniciou cedo seu pensamento e atuação política. Ainda pequeno, se deparou com a realidade da escravidão e isso o marcou toda sua vida. Tempos mais tarde ele viria a escrever: “Os cubanos foram à guerra, rompendo desde de seu primeiro dia de liberdade os grilhões de seus servos”.

Um dos principais influenciadores de José Martí foi o diretor da escola secundária em que ele estudou em Havana, capital cubana. Era Rafael María de Mendive, que foi preso e deportado por ser favorável à independência de Cuba. A partir daí Martí, inflama suas ideias, principalmente contra a dominação espanhola.

No início de 1869, quando tinha 16 anos, ele publicou junto com seu amigo Fermín Valdés uma folha impressa intitulada “El Diablo Cojuelo”, que militava pela soberania de Cuba frente à Espanha. Neste mesmo período, lançou a primeira e única edição do jornal La Patria Libre, escrito por ele mesmo. Um ano antes, teve início uma das guerras mais importantes para o processo de independência de Cuba, a Guerra dos Dez Anos. 

Preso e processado pelo governo espanhol por portar papéis que o consideravam “inimigo da Espanha”, ele foi condenado a seis anos de trabalho forçado, quebrando pedras em uma mina próxima a Havana. Com a saúde debilitada e já em prisão domiciliar, ele conseguiu um indulto e foi deportado para a Espanha. 

Lá, obteve o título de Doutor em Leis, Filosofia e Letras, pela Universidade de Saragoça, em 1874. Martí acreditava que um povo deve “ser culto para ser livre. Saber ler é saber andar. Saber escrever é saber subir”. 

Após o período em terras espanholas, mudou-se para o México, onde reiniciou sua atuação como jornalista. Casou-se com a cubana Carmen Zayas-Bazán y Hidalgo e com ela teve seu único filho, José Francisco. Com o objetivo de voltar a Cuba, permaneceu um tempo na Guatemala, onde foi professor e jornalista. 

De volta a Cuba, no final da guerra que durou dez anos, Martí voltou a organizar o movimento independentista, que se chamaria “A Guerra Pequena”. Foi preso e novamente deportado para a Espanha. De lá, seguiu para a França, Estados Unidos e, por fim, foi para a Venezuela. Na terra de Simón Bolívar, Martí desenvolveu sua ideia mais internacionalista: “Da América sou filho: me devo a ela”.

De volta aos Estados Unidos, começou a organizar a chamada “guerra necessária”, para tornar Cuba de vez independente da Espanha. No final de 1889, em Washington, Martí proferiu um discurso para 18 governos latino-americanos. Nele, advertiu sobre os perigos da “águia imperial” e chamou os países latino-americanos para se unirem, ao mesmo tempo em que não devem se submeter a Washington. Sobre os Estados Unidos, ele escreveu: “Vivi no monstro e conheço suas entranhas”. 

Martí também elogiou a capacidade criadora dos povos e falou de uma emancipação definitiva: “Somente perdura a riqueza que se cria e a liberdade que se conquista com as próprias mãos”.

Em 1892, fundou o Partido Revolucionário Cubano (PRC) e após permanecer mais um tempo planejando o retorno a Cuba, chegou na ilha em 1895. 

Em 18 de maio daquele ano, um dia antes de cair em combate, Martí redigiu uma carta a um amigo do México. “Todos os dias em perigo de dar minha própria vida pelo meu país e pelo meu dever”, escreveu.

No dia seguinte, em um ataque das tropas espanholas às tropas independentistas, Martí foi alvejado por três tiros que lhe tiraram a vida, nas proximidades do vilarejo de Dos Ríos. Ele estava no comando de um contingente de patriotas revolucionários cubanos. Seu corpo foi mutilado e exposto à população e seus restos mortais foram sepultados em Santiago de Cuba dias depois. 

A luta independentista cubana a qual Martí foi um dos atores principais, marcou todo um processo revolucionário no país e na região, como relembra Gonzalo Armúa. “Sua valentia e seu perfil heroico que colocou a frente um partido revolucionário, como também a guerra revolucionária, que marca o processo de luta do povo cubano durante todo o século XX e que vai triunfar com a Revolução Cubana em 1959.”
 

Edição: Vivian Fernandes