A transferência do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Casa Civil para o Ministério da Economia, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nesta quinta-feira (30), aponta para um fortalecimento da agenda de privatizações do governo a partir deste ano. Além da venda direta das estatais, o programa também prevê a ampliação da participação da iniciativa privada em empresas da União por meio de contratos de parceria.
Por trás do remanejamento do PPI estão os planos do ministro Paulo Guedes e do secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados da pasta, Salim Mattar, principais articuladores da pauta na gestão. O governo anunciou que pretende vender 300 ativos da União este ano.
“Você concentrar as decisões e esse processo todo nas mãos de uma secretaria especial que está sob o auspício do Paulo Guedes, que tem ares de super ministro, fortalece o próprio Salim Mattar e toda a estrutura do Ministério da Economia”, explica o cientista política Leonel Cupertino.
Um dos principais defensores da redução da máquina estatal, Mattar planeja para este ano um aprofundamento do caráter neoliberal do governo em relação a 2019, quando a gestão acabou concentrando as forças políticas na tramitação da reforma da Previdência, aprovada em outubro pelo Senado.
Segundo o secretário, o governo pretende arrecadar um total de R$ 150 bilhões com as vendas deste ano. A primeira desestatização será a da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), anunciada para agosto. Em 2021, a gestão pretende vender empresas como Telebras, Correios, DataPrev, Serpro e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Já a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), por exemplo, deve ficar para janeiro de 2022.
Segundos dados oficiais, a União tem, sob o seu controle direto, 18 empresas dependentes e outras 28 não dependentes. As primeiras são aquelas que recebem do Estado recursos financeiros para o custeio de despesas com pessoal ou de capital, como EBC, CBTU e Embrapa.
O segundo grupo é o de estatais com receitas próprias, captadas a partir dos serviços oferecidos. Nesta última lista constam, por exemplo, Infraero, Correios, Casa da Moeda, Petrobras, Banco do Brasil, BNB, BNDES, Dataprev e Caixa Econômica Federal. Parte dessas estatais está na lista de privatizações.
Para o deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ), integrante de diferentes frentes parlamentares contrárias à venda de empresas públicas, a pauta tende a exigir mais energia da oposição este ano.
“Inclusive, esta tem que ser, na minha avaliação, a prioridade da oposição: barrar o programa de desmonte do Estado brasileiro nas suas garantias sociais, que é tocado numa articulação entre Bolsonaro, Guedes e Maia, que não pode ser preservado”, defende, mencionando o papel de destaque do presidente da Câmara no avanço da agenda.
Eletrobras como ponta de lança
A Eletrobras, que já é alvo de fatiamento desde o governo Temer (MDB), deve voltar ao foco dos debates neste ano, quando o governo pretende efetivar a capitalização da empresa.
“Mas não sei se vai chegar a ser concluído esse processo. Isso vai depender de uma articulação complexa num momento em que o governo parece meio perdido ainda. Como o Congresso ainda está de recesso, acho cedo pra cravar se a Eletrobras vai mesmo ser privatizada”, pondera o cientista político Leonel Cupertino.
Ele menciona como elemento contrário, por exemplo, a agenda eleitoral. Outro elemento que pode ajudar a desacelerar as privatizações são as medidas da pauta mais administrativa do governo, resumidas em diferentes propostas de emenda constitucional (PECs) enviadas ao Congresso Nacional ao longo de 2019.
Entre elas, tende a se destacar este ano a PEC 186, batizada de “PEC Emergencial”, que reduz a jornada de servidores, suspende promoções, limita despesas obrigatórias e veta concursos públicos. Em declaração dada nesta quinta, Rodrigo Maia afirmou que pretende imprimir um rito mais curto à tramitação da medida, reduzindo em cerca de 45 dias o processo de apreciação da proposta na Câmara. Atualmente, a PEC está em análise no Senado.
A pauta tem amplo apoio no chamado “centrão”, grupo que reúne partidos da direita liberal e é maioria na Câmara, por isso tende a avançar com uma velocidade mais alta que a das privatizações, cuja lista tem a Eletrobras como ponto de realce.
Em diferentes declarações dadas à imprensa, Salim Mattar tem reforçado o objetivo do governo de promover, em 2020, uma maior abertura da empresa ao capital privado. Nos bastidores, a gestão investe desde o ano passado numa articulação política para tentar alavancar a privatização da estatal, que já teve as sete subsidiárias vendidas nos últimos anos.
A desestatização da Eletrobras é vista como porta de entrada para o aprofundamento da agenda de desestatizações. Por um lado, porque a empresa já vem sendo fatiada, após um intenso embate com a oposição na Câmara, que acabou sendo vencida nas votações sobre a venda das subsidiárias. Por outro, porque o setor de energia é considerado um dos mais estratégicos para o capital estrangeiro, maior interessado na compra desse tipo de estatal – motivo pelo qual ainda há grande oposição à venda da Eletrobras entre determinados setores da Câmara.
“Se eles aprovam a privatização de uma estatal em que há resistência substantiva, em seguida, eles vão conseguindo ampliar o processo de privatização pras demais, mas acho que eles vão ter que enfrentar uma dura oposição quanto a isso”, afirma Glauber Braga, ao mencionar a articulação constante entre trabalhadores da companhia e parlamentares.
Nordeste
No Legislativo, a venda da Eletrobras encontra resistência especialmente entre deputados federais e senadores de estados do Nordeste.
Por esse motivo, o Coletivo Nacional dos Eletricitários sublinha que pretende capilarizar a luta contra a privatização este ano a partir de um maior corpo a corpo com líderes nacionais de partidos que têm força na região e lideranças locais.
A intenção é fazer frente ao projeto do governo de acelerar a agenda. Nesse aspecto, a proximidade das eleições municipais tende a ajudar a oposição, uma vez que, na região, parte dos prefeitos e vereadores também teme a venda da empresa. Com isso, eles tendem a exercer maior pressão contra a privatização junto aos parlamentares federais, que, por sua vez, buscam ampliar sua influência nas bases por meio do pleito municipal.
“A gente não tem duvida de que eles [governistas] vão vir com bastante sede ao pote, por isso a gente já fez um planejamento nacional deste ano visando exatamente ter um papel um pouco mais destacado nos estados, onde essas empresas possuem um papel social relevante”, afirma Fabíola Antezana, integrante do coletivo.
O Congresso Nacional tem pelo menos cinco frentes parlamentares voltadas à luta contra a privatização da Eletrobras.
Edição: Rodrigo Chagas