Sistema carcerário

Para jurista, proibir comunicação de detentos "insufla tortura" no Pará

Decreto publicado em 25 de janeiro no Diário Oficial do Estado impede contato com familiares e advogados

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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FTIP atua no Pará desde o massacre no Centro de Recuperação de Altamira, em julho de 2019
FTIP atua no Pará desde o massacre no Centro de Recuperação de Altamira, em julho de 2019 - Catarina Barbosa

Familiares e advogados estão proibidos, por tempo indeterminado, de ter qualquer tipo de comunicação com os detentos no estado do Pará. A proibição foi determinada pelo decreto 139 de 2020, publicado em 25 de janeiro, no Diário Oficial do Estado.

Para José Maria Vieira, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB/PA), a medida reforça que a experiência da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) não tem gerado bons resultados no estado.

“A experiência tem sido muito ruim, não só do ponto de vista da execução desse método de atuação da força-tarefa, como também no relacionamento institucional com o órgão. A incomunicabilidade, que é a marca registrada da força-tarefa, é a insufladora de qualquer método de tortura. Essa incomunicabilidade, seja com os advogados ou com familiares, tem sido a marca registrada deles [força-tarefa e Secretaria de Estado de Administração Penitenciária] ”, avalia o jurista, que integra a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.

Torturas 

A Força de Intervenção Penitenciária (FTIP) atua no Estado desde o massacre no Centro de Recuperação de Altamira (CRRALT), ocorrido em julho de 2019, no sudoeste do Pará, quando 58 pessoas foram assassinadas.

Desde então, uma série de denúncias de torturas foram feitas. Contudo, a atual Seap, antes Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe), com o aval do governo do estado, continua pedindo a permanência da FTIP no Estado.

Em decisão no dia 25 de dezembro, o juiz federal Jorge Ferraz de Oliveira Junior, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Pará, aceitou a denúncia do Ministério Público e tornou réu o comandante da FTIP, Maycon César Rottava, por improbidade administrativa. Ele segue a frente do comando da unidade no estado.

José Maria avalia que essa incomunicabilidade permitida pela Seap é perigosa não só para os detentos, mas para a democracia.

"Desde a ditadura, o que permite a tortura, o que permite a reprodução do comportamento do torturador, é o encobertamento. As coisas só são encobertas a partir do momento em que se admite a incomunicabilidade como algo natural. Isso é totalmente ilegal. Existe um método que é intencional, é perigoso para democracia, é perigoso para o sistema penal e é perigoso para a sociedade. É uma tentativa absurda de forçar a violência como único método de aplicação de penas, o que está terminantemente proibido.”

Segundo José Maria, o Estado é o único ente autorizado pela Constituição a usar a violência, mas o que ocorre no Pará fere a lei. "A violência precisa de uma justificativa para ser empregada pelo Estado. Ela não pode ser empregada de forma coletiva como está sendo”, apontou.

Seap

Segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), a suspensão das visitas é uma ação estratégica para manutenção da ordem e segurança. 

A portaria cita que “é admissível a suspensão de visitas diante de fundadas suspeitas de rebelião, motim, ou outros eventos que possam fragilizar a segurança das penitenciárias". 

Segundo o documento, “não resta outra alternativa a esta secretaria, senão suspender as visitas nas unidades prisionais do estado do Pará, incluindo-se, neste ato, as Centrais de Triagem e a Central de Recaptura de Condenados", afirma. 

Segundo dados do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, atualmente, aproximadamente 40% da população carcerária do Brasil são de presos provisórios, ou seja, pessoas que sequer foram a julgamento.

 

Edição: Camila Maciel