Visibilidade trans

"Cortar o cabelo foi transformador. A Fabiana era outra pessoa, eu sou o Fábio"

Fábio é um homem trans, uma pessoa atribuída como do gênero feminino ao nascer, mas com identidade de gênero masculina

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Fábio sonha em se engajar mais na luta por direitos da comunidade trans e de fazer o curso de Psicologia
Fábio sonha em se engajar mais na luta por direitos da comunidade trans e de fazer o curso de Psicologia - Foto: Amanda Sampaio

Fábio Luiz Soares nasceu e foi criado no bairro Presidente Kennedy, em Fortaleza (CE). Fábio, com seus 21 anos, é mais um jovem trabalhador da periferia fortalezense que luta, tem sonhos, namora, se diverte, estuda... Mas entre tantas atividades comuns, precisa “levantar a cabeça todo dia e ter força” para garantir o direito de ser quem é.  

Fábio é um homem trans, ou seja, uma pessoa atribuída como do gênero ou sexo feminino ao nascer, porém possui uma identidade de gênero masculina. Para Fábio, a identidade masculina esteve presente desde criança. “Antes do Fábio vir a vida ele morava na Fabiana. Desde pequeno eu sempre tive o lado masculino, desde os sete anos falava em cortar o cabelo, sempre quis ser o pai de família e nunca a mãe. Eu vivia num corpo de menina e isso não me agradava, eu não sabia usar saia, vestido, isso era constrangedor pra mim. Como eu era reprimido, eu não tive a liberdade de me vestir como homem desde cedo”, conta sobre a infância e a adolescência.

Foi uma amiga que sugeriu à Fábio, que na época pensava que era lésbica, que na verdade ele era trans. Fábio nunca tinha ouvido o termo e então foi pesquisar sobre. Além da pesquisa, Fábio teve acesso também a atendimento psicológico que, para ele, fez toda a diferença no processo de aceitação e autoconhecimento. “Cortar o cabelo para mim foi transformador. A Fabiana era outra pessoa, a filha que minha mãe queria ter. E eu nasci Fábio. Eu não era o que ela queria que eu fosse, eu sempre fui o Fábio”, conta. 

O medo de ser expulso de casa e não ser aceito foi motivo de angústia e tristeza por muito tempo na vida do jovem. Quase entrando em depressão, Fábio decidiu conversar com a mãe e colocar suas necessidades de ser quem realmente era. A família ainda não aceita completamente – o desrespeito ao nome escolhido ainda é constante –, mas poder viver de fato a vida como Fábio Luiz foi uma grande transformação. Atualmente trabalhando em uma organização da sociedade civil (OSC), Fábio conta que “se sente gente tendo um trabalho, tendo autonomia, lutando por mim. Era isso que eu queria, quando eu ganho meu dinheiro eu me sinto o Fábio Luiz, um trabalhador que tá lutando na vida, me sinto vivo”. Foi com a conquista do emprego, e com seu primeiro salário, que ele conseguiu alugar uma casa para morar junto com a namorada. 

Fábio conta das dificuldades que é viver em um ambiente onde não se é aceito completamente, mas que é preciso ensinar todo dia para que as pessoas possam entender melhor e o mundo se tornar um lugar menos hostil para pessoas que compartilham dos mesmos desafios que ele. A rede de apoio de amigos e pessoas que dão suporte à luta das pessoas trans é fundamental para a conquista de uma vida saudável e com menos sofrimento. “É muito difícil você se reprimir pra caber num espaço que as outras pessoas querem. Eu era um garoto confuso e me tornei um homem que busca seus direitos”, conta. Fábio ainda não conseguiu colocar seu nome nas documentações oficiais, porque o processo ainda é bastante burocrático – um entrave que muitas pessoas trans encontram.

Fábio sonha em se engajar mais na luta por direitos da comunidade trans e de fazer o curso de Psicologia para poder contribuir com quem precisa de atendimento, porém não consegue acessar por não poder pagar. “Por ter nascido na periferia não temos acesso à muitas políticas de saúde mental. Muita gente de onde eu moro fica triste, se mata... Não tem esse acesso, a periferia não é vista como se precisasse (de saúde mental). Uma pessoa que luta pra comer todo dia muitas vezes não tem dinheiro pra pagar uma consulta. Então, a gente lida com essa tristeza como a gente consegue”, afirma.

Edição: Monyse Ravena