TEORIA E PRÁTICA

Conheça a Escola Nacional Florestan Fernandes, há 15 anos formando militantes

Inaugurada em 23 de janeiro de 2005, escola do MST trabalha com clássicos marxistas e educadores populares

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Escola de formação política está localizada em Guararema, no interior de São Paulo (SP)
Escola de formação política está localizada em Guararema, no interior de São Paulo (SP) - Foto: Michele Gonçalves/Brasil de Fato

Um espaço construído pela classe trabalhadora, tijolo a tijolo, para possibilitar a formação política de organizações populares de todo o mundo. Foi com esse propósito que a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), localizada em Guararema, no interior de São Paulo, foi fundada há exatamente 15 anos. 

Inaugurada no dia 23 de janeiro de 2005 e batizada em homenagem ao sociólogo e político brasileiro Florestan Fernandes, a escola se tornou referência internacional por unir a prática com a teoria política. Ao longo do ano, militantes, dirigentes e quadros de organizações populares que lutam pela construção de mudanças sociais em vários países, estudam a fundo clássicos da teoria política nacional e internacional. 

Com cursos que duram de uma semana a três meses, lecionados por professores e intelectuais voluntários, a ENFF também oferece formações com foco em diversos temas como questão agrária, marxismo e feminismo e diversidade. 

Biblioteca Antônio Cândido, na Florestan Fernandes (Foto: Michele Gonçalves/Brasil de Fato)

Construída pelas mãos de mais de 1 mil sem-terra e mantida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com apoio de outros movimentos, a escola também realiza convênios com instituições formais de ensino superior para permitir que militantes do campo e da cidade também possam se ter um diploma de graduação e de pós-graduação. Entre elas, a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

Formação diferenciada

Rosana Fernandes, coordenadora político-pedagógica da ENFF, explica que a escola articula várias dimensões formativas. Por um lado, há o estudo de pensadores clássicos do marxismo e também conteúdos organizados por educadores e intelectuais. Por outro, há o princípio formativo do trabalho e da divisão de tarefas, em que todos os educandos são responsáveis pela manutenção dos espaços físicos. Ambas as ações orientam para a chamada "elevação do nível de consciência política".

Refeitório coletivo da ENFF; cursistas se dividem em brigadas para organizar e limpar o local (Foto: Michele Gonçalves/Brasil de Fato) 

Rosana destaca ainda que a arte, a cultura e a mística, também é outra importante dimensão formativa na metodologia defendida pela ENFF, que permite profundas e subjetivas reflexões a cada um dos militantes. Para ela, o principal legado que a escola pode apresentar na comemoração desses 15 anos é o de que trabalhadores de todo o mundo demonstram sua preocupação com a formação política em primeiro lugar. 

“Em 2020, a escola reafirma seu compromisso de continuar fortalecendo as organizações populares e continuar organizando processos formativos que possibilitem alcançar, dentro de um projeto estratégico de classe, a conquista que a classe trabalhadora possa se emancipar e se libertar. Que possa construir seu próprio projeto de nação em cada lugar”, afirma.

Internacionalismo

Com professores e alunos vindos de vários países, especialmente da América Latina, a Florestan Fernandes permite um intercâmbio cultural e político entre os movimentos populares, assim como uma formação sobre o panorama econômico e social global, sempre sob o olhar da classe trabalhadora. 

“A luta de classes tem inimigos em comum no mundo inteiro. A unidade internacional das organizações, que tem como ponto de referência a própria Escola Nacional, significa que esse espaço de formação tem possibilitado essa articulação entre as organizações populares do mundo, para que, analisando a realidade, encontrando pontos em comum, possam fortalecer ideias e ações em vários cantos do mundo, para fazer a transformação que tanto almejamos”, reforça Rosana, adicionando que algumas aulas da ENFF são lecionadas também em inglês, espanhol e francês. 

Esti Redondo, do País Basco, está entre as centenas de militantes de outros países que se formam na Escola Nacional Florestan Fernandes. 

Integrante do sindicato agrário Ehne Bizkaia, ligado à Via Campesina -- articulação que reúne movimentos agrários de todo o mundo --, veio ao Brasil para fazer seu mestrado em Geografia no programa de Desenvolvimento Territorial de América Latina e Caribe, fruto de parceria da escola com o Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp.

Animada, Esti conta com felicidade que está pesquisando a área da bioconstrução, o que não seria possível fazer em seu país, já que a pós-graduação no País Basco é particular e, portanto, inacessível para a classe trabalhadora. 

Na opinião da sindicalista, ao trazer pessoas de diferentes países e continentes, além de promover um intercâmbio cultural, a ENFF exercita o internacionalismo, a solidariedade e a generosidade. 

“A ENFF é um centro de formação política e acadêmica, mas, sobretudo, um centro de formação de vida. É uma experiência de vivência. A escola faz com que as pessoas que chegam, se sintam parte. Quando chegamos, como estudantes internacionais, é a sensação de que alguém vai cuidar de você”, detalha.

Esti também elogia o “ensino diferenciado” da Florestan Fernandes e ressalta o avanço histórico possibilitado pela escola. “Os movimentos sociais participarem da academia é um jeito de democratizá-la, assim como democratizar os conhecimentos. Esse processo de formação abre uma possibilidade de termos diálogos mais horizontais entre movimentos sociais e academia”. 

Homenagens 

Quem anda pela escola, encontra exemplos de lutadores e lutadoras populares em cada canto. Todas as salas, muros, alojamentos e auditórios homenageiam figuras que inspiram e que foram e são essenciais para a formação política das organizações populares. A começar por Florestan Fernandes, patrono da ENFF. 

Rosana Fernandes relata que o sociólogo teve seu nome escolhido para ser homenageado por sempre estar ao lado dos trabalhadores e ter origem popular. 

“Ele nos inspira. Foi de uma família pobre, estudou com todas as precariedades pra se escolarizar, se tornou deputado federal. São legados que Florestan nos deixa e que remetemos a própria história da Escola Nacional. Temos um amor e um respeito muito grandes por Florestan e, por isso, queremos reafirmar o compromisso de continuarmos fazendo, pelo menos para os próximos 15 anos, mais intensivamente os processos formativos que tanto a classe trabalhadora mundial necessita”, frisa a coordenadora político-pedagógica. 

Frida Khalo, Patativa do Assaré, Antônio Cândido, Marielle Franco, Patrícia Galvão -- conhecida como Pagu --, Vito Gianotti, Rosa Luxemburgo e Paulo Freire são alguns militantes, autores e intelectuais que nomeiam as instalações coletivas da escola. Em 2017, também foi inaugurado o campo de futebol Dr. Sócrates Brasileiro, em homenagem ao jogador e apoiador do MST.

Casa de Artes Frida Kahlo (Foto: Michele Gonçalves/Brasil de Fato)

A ENFF, internamente, conta ainda com a organização da Brigada Apolônio de Carvalho, em homenagem ao internacionalista brasileiro, e que reúne mais de 50 militantes que atuam e moram na escola e se revezam ao longo dos anos.

Início

A construção da escola, há quinze anos, aconteceu graças a uma campanha para arrecadação de recursos que contou com a participação de Chico Buarque, José Saramago e Sebastião Salgado, além do trabalho essencial dos militantes sem-terra. 

E é dessa forma que a Florestan continua a se manter: com o apoio daqueles que acreditam na urgência da formação política para a luta internacionalista. Em 2009, foi criada a Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes para reunir doações financeiras e organizar todo tipo de ajuda à escola. Para fazer parte da associação, clique aqui. 

Alojamentos dos militantes que estudam na ENFF, construído pelas mãos de mais de mil sem terras em 2005 (Foto: Michele Gonçalves/Brasil de Fato) 

Edição: Vivian Fernandes