A criação de uma Força Nacional Ambiental para atuar na Amazônia, anunciada pela gestão Bolsonaro na terça-feira (21), é vista com reservas pelo ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc (PSB), autor de projeto semelhante encampado pelo governo Lula (PT) quando o pessebista esteve à frente da pasta, entre 2008 e 2010.
Segundo os planos de Bolsonaro, a ideia seria compor a tropa no âmbito do recém-criado Conselho da Amazônia, que será gerido pelo vice-presidente da República, o general da reserva Hamilton Mourão. Ainda não detalhado publicamente, o projeto deve utilizar policiais militares dos estados em operações de combate ao desmatamento.
Para Minc, a iniciativa tende a sofrer revés por conta da incapacidade de atacar práticas ilegais sem que haja uma articulação efetiva entre a operação das tropas e a agenda política. Ele conta que, durante sua gestão, quando houve redução de cerca de 60% no desmatamento da Amazônia, o governo precisou superar uma série de dificuldades.
Em geral, os entraves estavam relacionados a questões de contratação de pessoal, liberação de verbas e articulação dos diferentes órgãos envolvidos no trabalho contra o desmatamento, como é o caso da Polícia Federal e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais). Na época, o governo precisou investir em diferentes frentes, incluindo o zoneamento ecológico e a parceria com ONGs (organizações não governamentais) que atuam na defesa do meio ambiente na região.
Esses pontos esbarram no escopo de atuação que vem sendo adotado pelo governo Bolsonaro. Com pouco mais de um ano de mandato, a gestão tem sido marcada pela asfixia orçamentária em diferentes áreas e pela consequente redução da máquina estatal. O governo também tem promovido ataques à fiscalização ambiental e ao trabalho desenvolvido por movimentos populares e ONGs na Amazônia.
“Uma ideia sozinha, solta no ar, independentemente de ser uma reedição ou não, por si só não garante [que vai dar certo] porque você tem que ter vontade, tem que ter equipe, tem que estar disposto a enfrentar os desmatadores – que têm como apoiadores, muitas vezes, governadores, juízes, policiais locais. Então, você tem que enfrentar fortes esquemas regionais”, sublinha Minc.
O ex-ministro ressalta ainda que um projeto dessa natureza carece de um consistente plano de desenvolvimento sustentável, com reordenamento territorial e pacto com setores produtivos – outro gargalo da gestão Bolsonaro, que tem como parceiros políticos grandes grupos econômicos associados a uma exploração predatória da região amazônica.
“Na verdade, um simples anúncio de uma força-tarefa é uma palavra. A questão é saber: vai combater os grandes grileiros e desmatadores? Porque as leis do Bolsonaro têm estimulado [o desmatamento]. A própria ‘MP da Grilagem’ [MP 910] legaliza áreas desmatadas e griladas”, exemplifica Minc.
Outro fator que pesaria contra o governo para a garantia do trabalho da Força Nacional Ambiental contra o desmatamento seria o combate às queimadas, tema que gerou forte crise na gestão Bolsonaro no ano passado. Além de prejudicar o meio ambiente e a população local, o problema afetou também exportadores brasileiros, que tiveram produtos vetados no exterior por conta do discurso e das políticas antiambientais do presidente.
O desmatamento, por exemplo, cresceu 29,5% entre agosto de 2018 e julho de 2019, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no final do ano. Em novembro, o problema registrou alta de 104% no comparativo com o mesmo mês de 2018. Com o ritmo e a agenda que o governo vem apresentando, Minc considera que a atuação da Força Nacional Ambiental tende a não atingir o horizonte anunciado pela gestão Bolsonaro.
“Não adianta criar um slogan e tomar uma série de medidas que desarmam a fiscalização do Ibama, desacreditam os dados do Inpe e acabam estimulando a entrada em terras indígenas e reservas. O que faz o desmatamento diminuir é o combate à impunidade, é a ampliação das reservas extrativistas e terras indígenas, os pactos sustentáveis”, reforça.
O governo deve divulgar mais informações sobre o projeto na próxima semana, quando deverá ocorrer uma reunião sobre o novo Conselho da Amazônia.
Edição: Leandro Melito