Representantes da sociedade civil organizada seguem em articulação em prol de uma ação civil pública (ACP) que problematiza, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os padrões adotados para medir a distância entre cultivos de milho transgênico e outras plantações não geneticamente modificadas, de forma a evitar contaminação. Especialistas assinalam que o contágio acarreta diferentes problemas no campo.
A ACP tramita há dez anos e tinha julgamento marcado na 1ª Turma do STJ para terça-feira (17), mas foi retirada da pauta. Uma nova data para apreciação do caso ainda não foi agendada, mas as projeções indicam que ela deve ser avaliada em 2020.
Do ponto de vista técnico, a ação propõe que o tribunal invalide um trecho da Resolução Normativa (RN) n° 4, de 2007, que fixa uma distância igual ou superior a 100 metros ou, de forma alternativa, define que devem ser considerados 20 metros com uma borda de 10 fileiras de milho convencional.
Agricultores com experiência no tema afirmam que os parâmetros definidos pela norma não impedem uma contaminação das plantações com sementes crioulas, que não são geneticamente manipuladas.
“Estamos observando, no Brasil todo, que é avassalador o número de agricultores que seguem as normas do governo e, mesmo assim, encontram suas lavouras contaminadas. Eles ficam muito depressivos com isso”, relata o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, pesquisador do Movimento Ciência Cidadã.
Ele assinala que as sementes crioulas têm elevado valor cultural para as comunidades.
“Cada agricultor tem a sua preferência sobre o seu tipo, por exemplo, de milho, e faz a sua seleção, escolhendo, nas espigas que correm dessa lavoura, aquelas que são as melhores na opinião dele a cada ano. Esses processos vêm sendo feitos há milhares de anos por todos os agricultores. As famílias têm três, quatro gerações mantendo a mesma linha de seleção”, explica o engenheiro.
Para Melgarejo, uma distância mais segura entre os cultivos dos agricultores e as plantações de transgênicos é importante também por conta de outra razão: a ligação íntima entre alimentos geneticamente modificados e o uso de agrotóxicos.
Tal associação é responsável por uma gama de problemas enfrentados na zona rural, que vão desde a contaminação ambiental até os prejuízos para a saúde humana, passando ainda pelo debate sobre a violência no campo – um destaque na vida dos que resistem ao avanço predatório do agronegócio, que lida com produção em larga escala.
A distância mínima
Na ACP, as organizações signatárias apresentam 14 estudos sobre o tema da contaminação causada por plantações de milho transgênico e demonstram diferentes casos em que trabalhadores rurais tiveram prejuízos socioeconômicos por causa de casos efetivos de contágio.
“A gente não pode dar uma resposta de quantos metros exatamente seria o ideal a estabelecer, mas o STJ pode, por exemplo, determinar que sejam realizados estudos consistentes, com participação social, com análise, por exemplo, de condições climáticas e solo, do tamanho da propriedade [para definir]. Hoje, a mesma distância equivale pra uma propriedade de 4 ou 500 hectares. Isso é desproporcional”, aponta advogada Naiara Bittencourt, da ONG Terra de Direitos.
Em anos anteriores, a Terra de Direitos questionou na Justiça os critérios adotados no país para liberação do primeiro milho transgênico utilizado no Brasil, o liberty link, produzido pela Bayer, uma multinacional do ramo. A edição da Resolução Normativa n° 4 veio como resposta a essa provocação, embora, segundo especialistas e agricultores, não tenha garantido uma segurança no campo.
Bittencourt destaca que as entidades signatárias da ACP seguirão em luta pelo acolhimento do pedido. Além da Terra de Direitos, assinam o texto outras três instituições: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Nacional de Pequenos Agricultores e Assessoria de Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).
“A pressão é muito grande. Há um descompasso de poder em relação às organizações. Isso é bastante sério, mas a gente espera ainda que os ministros de algum modo compreendam os danos, a insegurança, a [questão da] saúde humana, os danos econômicos que estão sendo causados aos agricultores”, afirma.
Edição: Rodrigo Chagas