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“Um miliciano não respeita ninguém”, analisa Lula sobre governo Bolsonaro

Em entrevista à Revista Forum, ex-presidente diz que a esquerda não deve entrar no "jogo rasteiro" do fascismo

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Entrevista foi realizada nesta quarta-feira (11), encabeçada pelo jornalista Renato Rovai
Entrevista foi realizada nesta quarta-feira (11), encabeçada pelo jornalista Renato Rovai - Foto: Divulgação

Em entrevista exclusiva à Revista Fórum, nesta quarta-feira (11), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi questionado sobre como a esquerda deve fazer disputa política contra o fascismo. Como resposta, Lula afirma que o mais importante é “não entrar no jogo” da prática fascista do governo de Jair Bolsonaro e construir uma resistência pautada na decência.

“Um miliciano não respeita ninguém. O que vale é a violência. Eu acho que não estávamos preparados pra isso, e não temos que entrar no jogo sorrateiro deles. Se a esquerda, ao tentar derrotar a prática fascista do governo Bolsonaro, entrar no jogo deles, pra mim não dá mais. Pra mim só dá pra fazer política com decência”, respondeu o ex-presidente.

Lula ainda enfatizou que Bolsonaro e sua equipe de ministros agem conforme o que um público específico espera deles e que, portanto, há nisso uma questão de representatividade. “Tudo o que eles fazem é estudado e tem um público certo. O fascismo é construído na base da mentira, não podemos entrar no jogo deles”, afirmou.

Prisão de seu filho

O ex-presidente também comentou sobre a nova investida da Lava Jato contra o seu filho Fábio Luis, comparando o gesto da força-tarefa com o que viveu durante seu julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), no final de novembro.

Na ocasião, o Tribunal ignorou recomendação do Supremo Tribunal Federal (STF) de dar prosseguimento normal ao caso do sítio de Atibaia e, segundo a defesa do ex-presidente, o julgamento foi político e repleto de irregularidades. Em pronunciamento na época, o advogado de  defesa Cristiano Zanin sustentou que a investida tinha como objetivo confirmar a condenação e aumentar a pena de Lula.

“O que aconteceu ontem [no caso de Fábio Luís] é um pouco do que aconteceu com o TRF-4 na semana passada. Passaram meu processo na frente de outros, numa decisão que todos os juristas acham que foi irresponsável, e resolveram aumentar a minha condenação. O inquérito tinha sido arquivado, eles levantaram de novo por medo”, relatou o ex-presidente.

Ele ainda afirmou que o processo contra seu filho foi um gesto de insanidade e mostra o quanto o procurador Deltan Dallagnol “deve uma desculpa” à sociedade. “Ele deveria ter sido desonerado. A mentira chegou a tal nível que não tem rota de fuga”, comentou.

Na terça-feira (10), em sinal de desespero, a Lava Jato iniciou sua 69ª fase de investigações com 47 mandados de busca a apreensão. A ação batizada de “Mapa da Mina” investiga repasses do grupo Oi/Telemar para uma empresa do filho do ex-presidente. No entanto, a juíza Gabriela Hardt, de Curitiba, negou o pedido de prisão contra Fábio Luis. Para ela, não houve necessidade de prender os investigados, pois já foram alvo de outra busca e apreensão, em 2016.

A operação é um desdobramento da 24ª etapa da Lava Jato (Operação Alethéia), em que Lula foi levado a depor através de “condução coercitiva”. A operação se tratou de um espetáculo midiático-policial operado pelo então juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, em 4 de março de 2016.

Ataques de Bolsonaro

Sobre o alarmante ataque contra lideranças indígenas que foram assassinadas em conflitos de terra durante o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, assim como a perseguição contra demais minorias, Lula diz que não pode se esperar muito de Bolsonaro, mas que brasileiros não devem perder a indignação.

Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgados na segunda-feira (9) mostram que o número de lideranças indígenas assassinadas em 2019 foi o maior em pelo menos 11 anos. Segundo o levantamento, foram 7 mortes em 2019, contra 2 mortes em 2018.

“Do governo Bolsonaro não podemos esperar muita coisa. Ele não assumiu o compromisso. Preferiram eleger isso a alguém que tivesse compromisso com a democracia brasileira. Um presidente que acusa Fernanda Montenegro, que acusa Martinho da Vila, Chico Buarque, que diz que tudo é responsabilidade da esquerda e que bate continência à bandeira americana, que abre mão de parceiros importantes como a Venezuela. Eu fico pensando, o que esse cidadão pensa da política? O que esse cidadão pensa que é o Brasil?”, questionou o ex-presidente.

Segundo Lula, no entanto, é essencial “não abrir mão da indignação”. “Estamos no momento da indignação. O ser humano não pode perder a responsabilidade de amar e ser bom. Mas não podemos abrir mão da indignação”, afirmou.

Crescimento da violência

Lula afirmou ainda que a violência no Brasil, como a ação da polícia que assassinou nove jovens em Paraisópolis, na capital paulista, tende a crescer, "porque quem está no governo estimula a violência”, afirmou Lula, ressaltando que o tema é tratado de forma “emocional” pelo governo.

“Falar que bandido bom é bandido morto é parte de uma cultura que está sociedade, porque ela esta condicionada ao medo, ao terror. São temas tratados emocionalmente e o Estado não pode agir emocionalmente”.

O petista afirmou ainda que a violência da polícia não ajuda no combate da criminalidade e criticou diretamente o governador João Doria (PSDB) pela ação da PM na comunidade que fica cravada em meio a uma área rica da zona sul da capital paulista.

“Como um governador desse pode cuidar da segurança pública se a única coisa que ele faz é dizer que tem prêmio para quem matar”.

Segundo Lula, a violência contra jovens negros está na raiz de uma cultura que remete aos tempos da escravidão.

“A coisa mais selvagem que aconteceu foi quando aboliram a escravidão e tratavam o negro como vagabundo. E ainda é [tratado]. A polícia trata isso porque uma parcela da sociedade aceita essa ideia”, afirmou, ressaltando que a “violência contra o jovem negro está na nossa cultura escravista”.

Para Lula, a violência só pode ser combatida “gerando oportunidades para as pessoas terem cultura, lazer e educação”. “Só assim nós vamos diminuir a violência”.

Eleições 2020

Na entrevista exclusiva ao Fórum Onze e Meia, Lula comentou sobre as eleições 2020 e disse que defende que o PT tenha candidatos em todas as cidades para se defender das “10 bombas de Hiroshima” que tentam destruir a sigla, em referência à cobertura parcial da grande imprensa e à perseguição da Lava Jato.

“Quero que o PT se defenda, mas não dá pra cometer a loucura de não apoiar candidato em locais onde não tenha chance”, afirmou Lula.

O ex-presidente ainda afirmou que o partido precisa usar estes espaços para defender o legado do que o seu governo e o de Dilma Rousseff deixaram para o país.

“Não foi o PT que quebrou esse país. Quem quebrou esse país foi a falta de caráter, de dignidade dos golpistas”, afirmou.

Ex-presidentes

Lula comentou sobre a relação dele com Fernando Henrique Cardoso. Lula afirmou que não tem o que conversar com o tucano. Segundo o ex-líder sindical, o sociólogo subestimou a força do petista, apostou em seu fracasso e nunca ergueu a voz para defendê-lo.

“O Fernando Henrique Cardoso não teve a grandeza de aprender a conviver com meu sucesso. Esse é o problema que eu tenho com ele”, afirmou Lula. O petista ainda conta que FHC imaginava que Lula faria um governo frágil e, assim, o tucano poderia retornar à presidência em 2006. “Ele preferia minha vitória do que a do Serra, porque se o Serra ganhasse, ele não voltava mais. No meu caso, ele fala assim: ‘Esse coitadinho desse metalúrgico, ignorante, vai fracassar e eu volto pelos braços do povo'”, completou.

Lula ainda afirmou que não tem o que conversar com FHC ou com o senador José Serra. Segundo o petista, o tucano “nunca teve a coragem” de defendê-lo e lembrou de um episódio de 1998, quando Fernando Henrique e outros tucanos foram acusados de possuir uma conta milionária nas Ilhas Caymann “Quem foi defender o Fernando Henrique Cardoso fui eu, quem foi defender os tucanos fui eu, foi Marcio Thomaz Bastos. Não aceitamos a denúncia que era pra impedir o Covas de ganhar do Maluf”, afirmou.

“Ele sabe que eu não sou corrupto, ele sabe da decência da minha vida, mas ele não teve coragem. Ele só gosta de remar para onde vai a maré”, disse ainda. “E a maré vai voltar e, lamentavelmente, ele vai estar fora do barco”, finalizou.

 

Edição: Revista Fórum