O caso do vazamento de óleo que atinge atualmente 11 estados do país viveu mais um capítulo nesta quarta-feira (27), na Câmara dos Deputados, com a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Derramamento de Óleo, que vinha sendo articulada há cerca de um mês e teve o apoio de 267 deputados.
O colegiado deverá atuar em diferentes frentes, avaliando as medidas tomadas pelos órgãos competentes, apurando responsabilidades, propondo ações que possam mitigar danos e prevenir novos desastres.
Como um dos pontos centrais, a CPI deverá também investigar a origem das manchas de óleo, que já atingiram mais de 770 localidades.
Pelo regimento da Casa, os trabalhos do colegiado têm duração de 120 dias, mas podem ser prorrogados por mais 60. Após articulações políticas e uma eleição interna ocorrida nesta quarta, a CPI será presidida pelo deputado Herculano Passos (MDB-SP) e terá João Campos (PSB-PE) como relator.
Deputados do NE
Entre os 25 titulares já nomeados, 20 são do Nordeste. No grupo dos suplentes, 11 dos 14 também são da região, onde o problema teve início e gera mais prejuízos.
Com essa configuração, a tendência é que os trabalhos sejam marcados por fortes críticas à atuação do governo.
A pauta aglutina parlamentares de diferentes campos ideológicos e o requerimento de criação da CPI obteve número de assinaturas bem acima do exigido pelo regimento, que determina um mínimo de 171, correspondente a um terço da Casa.
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“Nós conseguimos 267 assinaturas em menos de 24 horas. A gente conseguiu ter o maior número de apoios desta legislatura. Tenho certeza de que esta Casa vai dar uma resposta altiva ao problema. Poder conduzir um debate sereno, mas com muito rigor”, disse, nesta quarta, João Campos, que liderou o processo de coleta de assinaturas.
O requerimento de criação conta com ampla representatividade, com apoio de integrantes das siglas DEM, PSDB, PP, PL, PSC, PSD, PV, Pros, Novo, Cidadania, Republicanos, Podemos, PSL, entre outros, com destaque para a oposição (PT, PSB, PDT, Psol, PCdoB e Rede).
Crítica ao governo
De modo geral, pedidos de instalação de comissões e frentes parlamentares tendem a contar com assinaturas de diferentes lados. Em meio à necessidade de obtenção de um mínimo de apoios, é comum, nos bastidores, que mesmo parlamentares tidos como adversários se ajudem por meio da assinatura desse tipo de requerimento.
Apesar disso, para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), titular da CPI e vice-líder da minoria na Casa, as diferenças político-ideológicas tendem a ser flexibilizadas no colegiado, com um debate mais próximo do suprapartidarismo.
“O que aconteceu prejudica a economia do país, os governos estaduais, as prefeituras das cidades turísticas costeiras e o governo federal”, justifica a parlamentar, indicando o alcance do problema.
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Com isso, a CPI poderá emparedar o governo, que, até o momento, não identificou os responsáveis pelo vazamento. “Hoje temos mais dúvidas do que respostas”, afirmou, nesta quarta, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara (CMA), Rodrigo Agostinho (PSB-SP), integrante da CPI.
Alguns parlamentares com perfil mais conservador também marcam presença no colegiado, como é o caso do próprio presidente, Herculano Passos (MDB-SP).
Atual vice-líder do governo na Casa, ele tentou minimizar as críticas à gestão Bolsonaro no que se refere à questão. “O vazamento começou dia 30 [de agosto] e, no dia 2, o governo já estava trabalhando. Ele está fazendo a parte dele. Agora, nós vamos fazer a nossa”, disse, despistando as controvérsias.
Oitivas
Como resultado dos problemas que cercam a questão, o colegiado deverá ouvir representantes de governos estaduais e municipais afetados pelo vazamento e especialmente nomes ligados ao Poder Executivo federal. Todos os pedidos de depoimento precisam ser aprovados na CPI por meio de votação.
Alice Portugal, por exemplo, apresentou requerimentos de oitiva com o ministro do Meio Ambiente, o comandante da Marinha, o presidente da Petrobras, representantes da ANP (Agência Nacional do Petróleo) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais).
Também está no radar da vice-líder da minoria um pedido de depoimento do cientista Ricardo Galvão, ex-presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
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“É pra que ele possa nos dar um parecer sobre o que havia, se havia, algum tipo de observação a respeito. Ele, por exemplo, saiu do cargo quando avisou acerca das queimadas, não somente das já existentes, mas do que havia em perspectiva. E esse instituto hoje está amordaçado, então, quero que o ex-dirigente nos diga o que há de acúmulo a respeito de vazamentos de óleo”, argumentou Portugal, em entrevista ao Brasil de Fato.
Visitas a cidades atingidas
De acordo com o presidente da CPI, o colegiado deverá apreciar nesta quinta (28) os primeiros requerimentos apresentados pelos membros. Passos também informou que serão realizadas visitas externas, começando pela cidade de Natal, onde as apurações das autoridades policiais sobre o caso estariam mais avançadas.
Segundo ele, a primeira visita deverá ocorrer ainda este ano, antes do recesso parlamentar.
A expectativa é que as informações colhidas em depoimentos e visitas possam ajudar também na produção de novas medidas legislativas, ponto que geralmente figura no escopo de trabalho das CPIs.
“O Brasil está aumentando a produção de petróleo agora, com o pré-sal. O risco é muito grande. Nós temos poucas áreas marinhas protegidas e a maior parte delas não implementada, então, acho que a CPI vai poder ajudar em todas essas lacunas, inclusive a fazer um diagnóstico sobre se, em caso de um novo acidente, a gente está preparado pra enfrentar”, afirma Agostinho.
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As Comissões Parlamentares de Inquérito têm poderes de investigações similares aos de autoridades judiciais, podendo inquirir testemunhas, ouvir pessoas indiciadas, determinar diligências, solicitar informações oficiais a órgãos da administração pública e deliberar pedidos de prisão.
Edição: Rodrigo Chagas