autoritarismo

PL do excludente de ilicitude copia decreto para reprimir manifestantes na Bolívia

Para especialista, decreto de Jeanine Áñez, autoproclamada presidenta após golpe, permite força letal em protestos

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Para especialista em segurança pública, as forças democráticas devem se unir contra o projeto apresentado por Bolsonaro
Para especialista em segurança pública, as forças democráticas devem se unir contra o projeto apresentado por Bolsonaro - Ederson Nunes/Câmara de Porto Alegre

O projeto de lei (PL) que amplia o excludente de ilicitude, apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro na última quinta-feira (21), é uma tentativa de coibir movimentos populares e impor um Estado de exceção, de acordo com o especialista em segurança pública Alberto Kopittke, diretor do Instituto Cidade Segura e associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em entrevista ao Brasil de Fato, ele afirma que o PL não tem ligação com o pacote anticrime de Sergio Moro, mas é uma reprodução do decreto editado pela autoproclamada presidente da Bolívia, Jeanine Ãnez, no último dia 16, na tentativa de reprimir o povo nas ruas após o golpe contra Evo Morales.

A ideia seria legitimar no Brasil o uso das Forças Armadas em situações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) -- operações de segurança autorizadas pelo Poder Executivo com a participação de forças de segurança como as Forças Armadas e a Polícia Federal.

Kopittke afirma, ainda, que o projeto põe em risco movimentos populares, as polícias e, principalmente, a democracia no país.

Veja a entrevista completa:

Brasil de Fato: O projeto de lei da excludente de ilicitude é mais sobre repressão a manifestações sociais do que sobre segurança pública?

Alberto Kopittke: É importante que a sociedade perceba que esse segundo projeto não é uma cópia do projeto enviado pelo Moro.

Esse é especificamente para GLOs, que são operações que raramente têm algum tipo de confronto com pessoas armadas, grupos criminosos. As GLOs, normalmente, são para greve, alguma coisa assim, ou alguma catástrofe ambiental.

Esse projeto, na verdade, é uma cópia do projeto da presidenta autodeclarada da Bolívia.

O alvo dele, que o presidente já tinha falado, e o filho dele, são manifestações. É para o caso de chegar aqui essa onda de manifestações que está atingindo o mundo inteiro, e aí ser decretado GLO e as forças de segurança poderem fazer uso da força letal contra manifestações sociais.

Em marcha rumo à capital La Paz, indígenas e camponeses carregam caixões dos mortos pela repressão militar aos protestos contra o golpe de Estado (Foto: Aizar Raldes/AFP)

O PL te parece uma ação de medo do governo que ocorra manifestações como a que vemos em países vizinhos da América Latina?

Sem dúvida. O próprio presidente já tinha dito que, quando começaram as manifestações no Chile, considerava atos terroristas e que ele ia tomar medidas para reprimir com força.

Então, é uma medida de exceção. É a primeira medida de exceção encaminhada pelo governo para que se possa fazer esse uso da força letal em manifestações.

Como a GLO é acionada?

Por enquanto, precisa de uma solicitação do governador. Mas tem um projeto de lei tramitando na Câmara, que já foi aprovado no Senado, que retiraria a necessidade de autorização do governador.

É um estado de exceção, que não precisa passar pelo Congresso, e aí não vai precisar mais nem da autorização do governador.

O presidente disse, nesta segunda (25), que quer empregar o GLO na reintegração de posse em propriedades rurais. Qual é sua opinião sobre esse ponto?

Além de tudo, é um desrespeito com as polícias, apesar de todos os problemas que a gente ainda ouve, de uso abusivo da força nesse tipo de situação.

Quando a gente olha para a América Latina, o que está acontecendo, o Brasil conseguiu vir evoluindo aos poucos, com a pressão dos movimentos sociais.

Agora, vamos voltar para trás para aplicar Forças Armadas para resolver tudo que é problema do Brasil, com autorização para matar. Não vai mais precisar ter polícia no Brasil.

As Forças Armadas vão cumprir o papel de polícia e a polícia vai cumprir o papel de ninguém, basicamente?

É. O grande ponto ruim disso foi, infelizmente, no governo Dilma, na regulamentação da GLO, quando se mudou o conceito de força oponente, na portaria que regulamentou a GLO, em 2013.

Qual foi a mudança?

O conceito de força oponente é o que autoriza o uso da força pelas Forças Armadas.

Até então, o que todas as democracias usam é que Forças Armadas só podem entrar em ação contra Forças Armadas de países soberanos.

Nunca podem entrar em ação para dentro [do país]. Em 2013, isso mudou. E a última barreira que falta, agora, é autorizar o uso da força letal com o excludente de ilicitude.

Aliar a autorização para GLO com o excludente de ilicitude pode abrir caminho para massacres em reintegrações de posse, como aconteceu no de Eldorado de Carajás?

Não tenho dúvida que vai acontecer.

As Forças Armadas vão sujar as mãos de sangue em problemas que não têm nada a ver com soberania nacional.

Porque as Forças Armadas têm muito menos capacidade de lidar com o uso progressivo da força do que as polícias.

Forças Armadas não têm ferramentas para usar progressivamente a força. Passa direto para o uso da força letal. O risco de ter confrontos letais é muito grande.

Você vê risco, nas reintegrações de posse, a movimentos sociais como o MST?

O alvo de toda essa movimentação são os movimentos sociais. Com certeza, o objetivo do governo é enquadrar o MST e outras organizações de luta pela moradia como movimentos terroristas.

É um grande perigo para a democracia, o que a gente está vendo.

O PL é um primeiro passo para se instaurar uma ditadura?

O próprio presidente não cansa de falar da sua admiração por regimes autoritários e por desrespeitar as instituições do Brasil.

Esse projeto é o primeiro desse novo modelo, que pretende instaurar um regime de uso da força cada vez mais progressiva. Infelizmente, o Brasil caminha para um regime de exceção.

Com esse regime instaurado, fica muito difícil de se reverter, não?

Sim. É necessário que um conjunto de forças democráticas de um espectro mais amplo, inclusive ideológico, percebam que é um momento de muito risco.

Não se trata de um problema meramente de esquerda ou de direita. É um problema democrático para o país.

Na última vez que aconteceu isso levou 25 anos para o Brasil ter uma nova eleição. Me parece que as forças democráticas ainda não se aperceberam e ficam só preocupadas com o calendário eleitoral.

Como as forças democráticas precisam agir neste momento?

Eu acho que falta uma coalizão supraideológica de compromisso com princípios democráticos, que envolva um compromisso para a sociedade brasileira de barrar tudo aquilo que ameace a democracia, independentemente se é de esquerda ou de direta.

Tudo o que possa barrar a liberdade de expressão, a liberdade cultural e ameace com o uso da força.

Precisaria de uma aliança democrática mais ampla do que se tem hoje, porque o que governo tenta fazer é dizer que tudo é contra a esquerda. E me parece que alguns setores da esquerda não se aperceberam isso e seguem se isolando.

Para você, trata-se de um compromisso muito mais com a democracia do que com elementos partidários ou ideológicos?

Exatamente. O que está em risco não é liberalismo versus social-democracia ou socialismo. Modelos diferentes e que são legítimos.

O risco é a liberdade e a democracia. É o bem maior.

Me parece que isso é o elemento fundamental que essas forças têm que se aperceber. Agora temos que, independentemente das diferenças que todo mundo tem, fazer uma coalizão democrática para assegurar a democracia no país.

Edição: Rodrigo Chagas