Uma semana após a renúncia do presidente eleito Evo Morales, que consolidou o golpe de Estado na Bolívia, a violência policial instituída pelo autoproclamado governo de Jeanine Áñez resultou em 24 mortos, mais de 715 feridos e 50 detidos.
Os dados foram divulgados tanto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), quanto pela Defensoria do Povo [órgão equivalente à Ouvidoria, que recolhe denúncias mas não processa criminalmente nem atende casos individuais]. Uma das 24 mortes foi confirmada após o relatório da CIDH.
Morales está exilado no México e promete retornar para ajudar a Bolívia a reconquistar a democracia.
Licença para matar
Nos últimos cinco dias, a violência policial se aprofundou. Na última sexta-feira à noite (16), o governo autoproclamado emitiu um decreto para eximir as Forças Armadas (FFAA) e a Polícia Nacional Boliviana de responsabilidade penal na repressão contra as manifestações e liberar o uso de armas de fogo.
O decreto de Áñez foi publicado logo após o massacre no departamento de Cochabamba na mesma data, quando a polícia assassinou nove apoiadores de Morales durante protesto organizado por líderes cocaleiros pela volta do presidente. Além dos nove mortos, 105 pessoas ficarem feridas.
A cidade de El Alto, vizinha a La Paz, também se tornou palco de massacres no último final de semana, com centenas de feridos.
Como reação ao decreto do governo autoproclamado, os senadores do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Morales, anunciaram no domingo (17) que apresentarão um recurso no Tribunal Constitucional para vetar a decisão, que consideram inconstitucional.
Durante a apresentação do relatório sobre a Bolívia no último sábado (16), a CIDH qualificou o decreto como grave “por desconhecer os modelos internacionais de direitos humanos” e “estimular a repressão violenta”.
Na ocasião, a alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para direitos humanos, Michelle Bachelet, também se pronunciou sobre a situação no país latino-americano e afirmou estar preocupada com as múltiplas prisões. Ela condenou o uso da força e da repressão, convocando “todos os atores, incluindo os manifestantes, que renunciem à violência para encontrar uma solução pacífica para a crise atual”.
No entanto, a declaração está distante daquilo que exigem as organizações com status consultivo na ONU, que enviaram uma carta à representante da ONU e ex-presidenta chilena exigindo ações concretas para restaurar a democracia e o Estado de direito no país e monitorar a violação dos direitos humanos no contexto do golpe. Organizações sem status consultivo, como a Via Campesina e a Associação de Juristas Brasileiros pela Democracia, também assinam a carta.
Mobilizações
Apesar da repressão policial, manifestações pela renúncia da autoproclamada presidenta seguem acontecendo e se concentram na capital do país, La Paz, nesta segunda-feira (18).
Durante os protestos, os manifestantes bloquearam as principais vias da cidade para impedir o abastecimento de alimentos e combustíveis na capital, como estratégia para denunciar o grave contexto político e social do país.
Além da renúncia de Áñez, os manifestantes também pedem a saída de todos os ministros nomeados por ela e exigem o retorno imediato do presidente Evo Morales, vencedor das eleições realizadas no dia 20 de outubro.
O movimento aderiu ao pedido de seis sindicatos de Cochabamba que, no sábado, passaram a exigir a saída de Áñez no prazo de 48 horas e a aprovação de uma lei para garantir a realização de uma nova eleição em 90 dias.
Solidariedade
No último domingo (17), bolivianos residentes no Brasil ocuparam a avenida Paulista, em São Paulo (SP), para denunciar o caráter racista do golpe contra o primeiro presidente indígena da história do país.
Nesta segunda, os bolivianos também foram às ruas da Argentina para prestar solidariedade e pedir o fim da violência policial e a restauração da democracia na Bolívia.
Em ambos os países, Morales foi o mais votado nas eleições de 20 de outubro.
Edição: Luiza Mançano