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130 anos de República e um país que insiste em nascer

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Mais de um milhão de manifestantes tomaram as ruas de Santiago no dia 25 de outubro em novo protesto contra o governo de Piñera
Mais de um milhão de manifestantes tomaram as ruas de Santiago no dia 25 de outubro em novo protesto contra o governo de Piñera - Pedro Ugarte/AFP
Nossos hermanos se levantam pela necessidade da construção de um projeto de país

O aniversário de 130 anos da proclamação da República no Brasil, neste 15 de novembro de 2019, nos convoca a refletir sobre as aspirações profundas do povo brasileiro de se constituir como tal e afirmar sua existência enquanto povo – nação.

A indagação do porquê nossa República de 130 anos é vazia de um projeto nacional comprometido com o desenvolvimento de seu povo nos leva a escrever esse artigo em um momento de efervescência em todo continente.

O Brasil, assim como a América Latina, apresenta peculiaridades na questão das formações nacionais, decorrente das contradições do processo histórico do desenvolvimento capitalista na região. 

O resultado desse processo culminou na criação de um capitalismo dependente e na formação de um Estado Nação deturpado. É nesse sentido que o sociólogo Florestan Fernandes afirma que as relações de classes carecem de dimensões estruturais e, por isso, são sociedades que nascem condenadas à crise permanente e ao colapso total. Para Florestan, somos “sociedades em convulsão que estão permanentemente  em busca do seu próprio patamar e tempos históricos”.

Essa ideia de sociedades em convulsão é um elemento em comum aos processos latino-americanos.  Não à toa, temos assistido no último período essa sociedade colapsada, com as manifestações populares massivas no Equador, Haiti, Chile e Bolívia.

O aprofundamento da crise, que desencadeou nas mobilizações, não pode ser visto por uma ótica superficial. A princípio, estes processos podem ser capturados pelas forças da direita que estão em ofensiva. Porém, é preciso compreender sua radicalidade e por isso é necessário irmos à raiz comum desses processos. Afinal, a América Latina é uma trincheira crucial na disputa entre a direita e os que buscam alternativas humanizadoras diante da crise civilizatória. 

Um primeiro elemento que temos que ter em conta é o caráter explosivo das lutas quando o povo entra na história mobilizado por temas de conteúdo democrático e nacional. Por outro lado, é preciso ter a clareza de que a violência é a marca do processo de conquista e colonização da região, em que os povos originários e os recursos naturais são utilizados de maneira brutal e sem limite.  

Essa característica criou um tipo de organização social destrutiva, onde a forma de organizar a sociedade e a exploração da classe trabalhadora coincide com o processo predatório de devastação do território e da natureza. A violência com a qual o Estado combate os manifestantes também é produto dessa forma originária de sufocar a possibilidade desses povos se desenvolverem enquanto tal. 

As lutas pelo fim da escravidão e pela libertação dos povos latino-americanos no século 19, gestaram um pensamento radical assumido por José Martí (Cuba) e Simon Bolívar (Venezuela), dando voz à Nuestra América oprimida, colonizada e submetida aos colonizadores e ao imperialismo.

Nesse sentido, as lutas populares no continente carregam a aspiração emancipatória dos povos oprimidos. Em contrapartida, a violência sobre os povos inviabilizam os ideais republicanos e esvaziam nossos Estados de seu sentido nacional. As lacunas deixadas ao longo do tempo com a não realização de diversas políticas sociais desencadearam no surgimento de movimentos de luta pela terra, pela água, pelos direitos sociais, etc. 

Porém, com o acirramento da atual crise do capitalismo, as tarefas de conteúdo nacional, democrático e necessariamente popular assumem centralidade na luta de classes. Pela primeira vez na história, estamos vivendo a crise de um modo de produção que é hegemônico no mundo inteiro. As necessidades de acumulação do capital financeiro e das grandes corporações mundiais mudaram a forma de dominar o território e a economia de países dependentes, desencadeando numa verdadeira ditadura financeira que produz o esvaziamento da democracia e a concentração de riquezas. 

A crise aparece na economia e se traduz em crise social, política, ambiental e de valores. Nessa crise, o poder econômico das empresas transnacionais também intensifica a disputa pelo seu programa  nos processos eleitorais, sequestrando os operadores do Estado. Por isso, as saídas mais conservadoras não podem ser subestimadas.

A aspiração profunda dos povos latino-americanos, de entrarem na história como protagonistas da construção nacional e da contrarrevolução da ofensiva neoliberal, disputam palmo a palmo os rumos do processo que combina luta institucional, luta ideológica e luta de massas. 

A eleição de López Obrador, no México, e de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, na Argentina; o segundo turno no Uruguai; as eleições municipais na Colômbia, vencendo forças uribistas em locais importantes; a eleição de Evo Morales na Bolívia; as manifestações populares no Chile, Equador, Peru e Haiti; o Lula Livre no Brasil; e a resistência da Venezuela e de Cuba. Todo esse cenário fornece o panorama dessa combinação de luta de classes acirrada, colocando povos oprimidos em movimento que buscam encontrar seu patamar e tempos históricos. As mobilizações dos oprimidos, assim como a liberdade provisória de Lula e a vitória de Evo, despertam esperanças e ódios.

As contradições da crise por si só não criam alternativas, elas só evidenciam as contradições do projeto dos nossos inimigos, como o caráter antinacional, antidemocrático e antipopular. Nossas Repúblicas que insistem em nascer são portadoras de um conteúdo democrático e soberano que se relaciona à contingência histórica da Libertação Nacional ainda por vir. 

Nesse 15 de novembro, nossos hermanos latino-americanos que se levantam apontam a necessidade da construção de um projeto de país que resolva os problemas da vida do povo e, ao mesmo tempo, faça a mediação com as questões estruturais da nossa formação social e econômica. 

Apenas no trabalho de base, contudo, em um processo de retomada de vínculo com o povo e colocando-se em movimento junto a ele, é que poderemos contribuir para que ele próprio assuma o conteúdo dessas propostas como suas e as transforme em ação num movimento libertador, sendo protagonista de sua própria história.

Elaboração: Olívia Carolino e Rodrigo Suñe 

Edição: Camila Maciel