Coluna

AI-5 “moderno” está sendo gestado nos bastidores do poder!

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 Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) afirmou que o governo federal poderia reeditar o AI-5
Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) afirmou que o governo federal poderia reeditar o AI-5 - Paola de Orte/Agência Brasil
Uma série de propostas podem servir à desforra do autoritarismo bolsonarista

A recente declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) no sentido de que o governo federal, liderado por seu pai, poderia reeditar o Ato Institucional nº 5, instrumento impingido pelo Presidente Costa e Silva em plena ditadura militar, mais especificamente em 1968, o qual serviu para cassar mandatos, destituir funcionários públicos, desautorizar reuniões, proibir habeas corpus, fechar o Congresso Nacional, entre outras medidas extremamente autoritárias, foi alvo de fortíssimo repúdio de variados segmentos sociais, mesmo à direita do espectro político, que reputam inconcebível que se louve o regime de exceção que vigorou no Brasil durante 21 anos.

Se, por um lado, logo após a abjeta conclamação do deputado, ele mesmo a tenha renegado, num fajuto pedido de desculpas, e o próprio presidente da república, ato contínuo, também tenha dito que não há o risco de termos novo ato institucional como o de 1968, por outro lado, é bem verdade que não há a menor surpresa diante do que foi dito pelo parlamentar, haja vista o vastíssimo histórico de impropérios proferidos contra a democracia e as liberdades fundamentais, a favor da tortura e outras desumanidades entoados pela família Bolsonaro.

Fica, portanto, a dúvida: será que corremos o risco real de termos o endurecimento do governo nos moldes do que foi feito pelos governos militares? Se não há, em tese, espaço para a truculência de uma eventual tropa artífice de golpe ou autogolpe, porque, repita-se, em tese, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional não fariam coro a tal, fato é que há uma série de propostas em trâmite nos bastidores do poder que, na forma de projetos de lei, podem, sim, servir à desforra do autoritarismo bolsonarista, caso aprovados.

Senão vejamos: a pretexto de velar pela segurança nacional, assim como ocorria nos anos de chumbo, o PL 2418/2019, de autoria do deputado José Medeiros (PODE/MT), altera a Lei 12.965/2014, que trata do uso da internet no Brasil, para permitir a infiltração de agentes de segurança em provedores de com o objetivo de monitorar publicações e pegar informações dos usuários, inclusive em aplicativos de trocas de mensagens, indistintamente. Do mesmo autor, o PL 5327/2019, ao lado do PL 9604/2018, do deputado Jerônimo Goergen (PP/RS), quer colocar movimentos sociais taxativamente na condição de terroristas, alterando a famigerada lei 13.260/2016.

Por sua vez, o PL 3389/2019, do deputado Fabio Faria (PSD/RN), estabelece a obrigatoriedade de fornecimento do número de inscrição do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para cadastro em aplicações de internet. Por fim, o PL 1595/2019, do deputado Major Vítor Hugo (PSL/SP), dispõe sobre supostas ações “contraterroristas”, sem defini-las objetivamente, taxando de terrorismo, por exemplo, crimes que “aparentem intimidar a população civil”. Essas são apenas algumas das propostas que, uma vez aprovadas e sancionadas, deverão servir para perseguição desmedida de opositores, o que parece ser desejo in pectore do presidente Bolsonaro, notadamente incapaz de conviver com o contraditório.

Pois bem. Como já alertou, entre outros, o advogado Romulus Maya, no blog Duplo Expresso, estes projetos de lei se consubstanciam numa espécie de versão tabajara do Patriot Act, decreto baixado pelo presidente estadunidense George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001 e mantido por Barack Obama. Aquele ato teve o condão de cassar liberdades democráticas, permitindo a interceptação telefônica, telemática e devassa fiscal dos cidadãos nacionais e estrangeiros sem necessidade de autorização judicial prévia, entre outros absurdos dignos de ditaduras, sob o falso pálio do combate ao terror, sendo que, na verdade, acabaram servindo para concentrar poder nas mãos de governos reacionários anti-povo, pró-guerra e tendentes a recrudescer o estado democrático de direito, como recrudesceram.

No Brasil, para além de debates superficiais sobre declarações plantadas por ministros da ala mais radical, lacaia e ideológica do governo, tais como Damares Alves, a pastora tresloucada famosa pela célebre e preconceituosa distinção entre “meninos que vestem azul e meninas que vestem rosa”; Ernesto Araújo, defensor de novas cruzadas, no estilo medieval, que nos salvarão do “globalismo” que divide o mundo entre o ocidente cristão, a eurásia comunista e o oriente muçulmano; e Abraham Weintraub, que gosta de lacrar na internet com esquetes empoeiradas e sem timing, como um “Didi Mocó do mal”, é imprescindível que tomemos consciência da tentativa de “fechar o regime” que está sendo gestada nos bastidores de Brasília através desses projetos de lei que emulam o ato patriota ianque.

É urgente que os deputados e senadores do dito campo progressista se unam em torno de debelar esses ataques às liberdades fundamentais e direitos humanos dos brasileiros e brasileiras porque, mesmo que não venha o AI-5 clássico, conforme ameaçou Eduardo Bolsonaro, o AI-5 moderno está sendo indubitavelmente preparado e poderá infelizmente se concretizar, caso não haja forte reação de quem não aceita que voltemos ao jugo de um governo autoritário, perseguidor e corrupto, como os atuais estertores do poder central demonstram desejar.

Olímpio Rocha – Advogado, Professor de Direitos Humanos, Mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), Membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado Paraíba. 

 

Edição: Katarine Flor