Uma testemunha cita o nome de Jair Bolsonaro em depoimento sobre o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Um ataque raivoso do presidente contra o canal de televisão que trouxe a história à tona. Declarações contraditórias feitas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o caso, indignação quando um dos filhos do presidente divulga um vídeo mostrando que teve acesso a provas que poderiam incriminar o pai. Além de tudo isso, uma promotora que investigava o crime pediu para deixar o caso depois da repercussão de fotos que mostravam seu apoio a Bolsonaro. E isso tudo foi só na semana passada.
Ficou difícil acompanhar tudo o que aconteceu nos últimos dias envolvendo o caso do assassinato de Marielle Franco e as implicações que poderiam chegar ao Palácio do Planalto. O Brasil de Fato faz um resumo do que tomou o noticiário na semana passada para ajudar a explicar.
Terça, 29 de outubro
Tudo começou na noite de terça-feira, quando a Rede Globo dedicou mais de seis minutos do Jornal Nacional a uma matéria exclusiva sobre uma testemunha que citou o então deputado federal Jair Bolsonaro em ligação com dois dos principais suspeitos no caso.
A matéria mostrou o depoimento de um funcionário do condomínio fechado onde Bolsonaro tem uma casa, e onde morava antes de se mudar para Brasília. O condomínio Vivendas da Barra é o mesmo onde um dos principais suspeitos também vivia: Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos que mataram Marielle e Anderson em 14 de março de 2018.
::Como assim mataram a Marielle?::
No depoimento, o porteiro afirma que Élcio Vieira de Queiroz, acusado de dirigir o carro que perseguiu e encurralou as vítimas, foi autorizado a entrar no condomínio na tarde do assassinato depois de dizer ao porteiro que iria visitar a casa de Bolsonaro, no número 58.
O porteiro continua o depoimento, segundo o Jornal Nacional, contando que ligou para a casa, e uma voz identificada como sendo do “senhor Jair” autorizou a entrada de Élcio Queiroz no condomínio. Mas, acompanhando pelas câmeras de segurança, o funcionário viu que o homem foi para outra casa, no número 66, onde Ronnie Lessa morava.
A matéria afirma que, segundo fontes anônimas, os dois suspeitos depois saíram do condomínio juntos e trocaram de carro, dirigindo-se à região central do Rio onde Marielle e Anderson foram mortos.
Lessa e Queiroz estão presos desde março deste ano, acusados de envolvimento no crime.
A própria matéria, no entanto, apurou que Bolsonaro estava em Brasília no dia do assassinato, e teve sua digital registrada em duas votações no Congresso. Mas isso não impediu o presidente de fazer uma transmissão ao vivo raivosa logo em seguida, mesmo estando em viagem à Arábia Saudita, onde já eram 4 horas da manhã.
O presidente fez ataques exaltados contra a Globo, chamando a rede de “podre” e “canalha” e ameaçando dificultar a renovação da concessão do canal em 2022.
Bolsonaro também acusou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, pelo vazamento das informações sobre o caso, que corre em segredo de justiça. Witzel respondeu no dia seguinte negando qualquer vazamento. “Lamento que o presidente tenha, talvez num momento de descontrole emocional, em que está numa viagem, não está, talvez, no seu estado normal, tenha feito acusações contra a minha atividade como governador”, declarou.
Quarta-feira, 30 de outubro
Na manhã de quarta-feira, o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, postou um vídeo nas suas redes acessando os registros internos de um computador na administração do condomínio Vivendas da Barra. Expondo uma lista de ligações feitas no dia do assassinato de Marielle e Anderson, Carlos afirmou que não havia ligações para a casa do pai.
Setores militantes, políticos e jurídicos levantaram questionamentos sobre o acesso de Carlos Bolsonaro às imagens, demonstrando preocupação com a possível adulteração de provas cruciais para a investigação.
Pouco depois, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) concedeu uma entrevista coletiva para anunciar que a ligação da portaria não teria sido feita para a casa de Bolsonaro, mas, sim, para a de Ronnie Lessa, contradizendo o depoimento do porteiro.
No mesmo dia, os sites El País e Valor Econômico noticiaram que a ex-Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, encaminhou uma solicitação ao Supremo Tribunal Federal (STF) em seu último dia no cargo para federalizar as investigações sobre o assassinato de Marielle e Anderson. À época, Dodge argumentou que há “criminosos infiltrados na polícia” do Rio para atrasar a investigação e prejudicar a coleta de provas, e que manter a investigação no estado poderia comprometer o caso.
Quinta-feira, 31 de outubro
Uma entrevista com o deputado federal Eduardo Bolsonaro mostra o filho do presidente sugerindo a adoção de medidas autoritárias inspiradas na ditadura militar para combater a esquerda “radicalizada”.
O deputado afirmou que, se a esquerda no Brasil “radicalizar”, uma resposta poderia ser “via um novo AI-5”, em referência ao Ato Institucional nº 5, aplicado no Brasil em 1968, que deu início à fase mais dura de repressão do regime militar a opositores políticos e qualquer pessoa considerada “comunista”. Tortura, prisões ilegais e perseguição política se tornaram comuns, a censura aos meios de comunicação foi instituída e o Congresso Nacional foi fechado.
As declarações provocaram reações de indignação de políticos de todos os espectros políticos, da esquerda à direita. A bancada do PSOL, com o apoio de PT, PDT, PSB, PCdoB e Rede, apresentou, na mesma noite, uma notícia-crime junto ao STF, com argumento de que a conduta do deputado configura incitação e apologia ao crime.
Com a repercussão negativa, o parlamentar afirmou que não se arrepende do que disse, mas talvez tivesse evitado fazer menção ao AI-5 para não provocar a polêmica.
No mesmo dia, uma das promotoras que investigava o assassinato de Marielle e Anderson — e que também participou da coletiva de imprensa que contradisse o depoimento do porteiro — teve fotos reveladas que mostravam o apoio da funcionária do Ministério Público do Rio a Jair Bolsonaro. A promotora Carmen Carvalho também aparece ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim, que quebrou uma placa em homenagem a Marielle Franco.
Sexta-feira, 1º de novembro
Com a forte reação provocada pelas imagens e a preocupação com a imparcialidade da promotora, Carmen Carvalho anunciou que se afastaria das investigações. Em carta, ela afirmou que jamais atuou “sob qualquer influência política ou ideológica”, mas por causa das “lamentáveis tentativas de macular” sua atuação “séria e imparcial” no MP-RJ, ela optou “voluntariamente, por não mais atuar no Caso Marielle e Anderson”.
Sábado, 2 de novembro
O presidente Jair Bolsonaro admitiu à imprensa que teve acesso às gravações da portaria na administração do condomínio onde morava no Rio, para “evitar adulteração”.
“Nós pegamos, antes que fosse adulterada, ou tentasse adulterar, pegamos toda a memória da secretária eletrônica que é guardada há mais de ano. A voz não é a minha”, declarou Bolsonaro, provocando, mais uma vez, indignação e preocupação entre militantes dos direitos humanos, políticos e profissionais do direito.
Segunda-feira, 4 de novembro
Na segunda-feira, o presidente afirmou que foi mal-interpretado, e que não pegou as gravações da administração do condomínio.
“O que eu fiz foi filmar a secretária eletrônica com a respectiva voz de quem atendeu o telefone. Só isso, mais nada. Não peguei, não fiz backup, não fiz nada”, afirmou. “Ninguém quer adulterar nada, não.”
Depois dos últimos acontecimentos, a Polícia Civil do Rio anunciou que colherá novo depoimento do porteiro.
Pela tarde, líderes da oposição na Câmara dos Deputados e no Senado, Alessandro Molon (PSB-RJ) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) protocolaram uma representação no Conselho de Ética da Câmara pedindo a cassação de Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), por conta da declaração do deputado sobre um possível "novo AI-5".
Terça-feira, 5 de novembro
Organizações e movimentos populares convocam atos pelo Brasil em protesto aos ataques de Eduardo Bolsonaro contra a esquerda e as ameaças de editar um novo AI-5 ou outro instrumento para reprimir opositores políticos.
As bandeiras das manifestações serão “Basta de Bolsonaro” e “Justiça para Marielle”.
*Com informações de Cristiane Sampaio, Wallace Oliveira, O Globo, El País e Folha de S. Paulo
Edição: Aline Scátola