Rio de Janeiro

IMPUNIDADE

Opinião | 600 dias sem Marielle Franco e uma apuração cheia de "impurezas"

Do que se nutre uma investigação que envolve o submundo do crime e da política?

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Passeata em homenagem à vereadora Marielle Franco, e seu motorista Anderson Pedro Gomes, no centro do Rio
Passeata em homenagem à vereadora Marielle Franco, e seu motorista Anderson Pedro Gomes, no centro do Rio - Fernando Frazão/Agência Brasil

Na próxima segunda-feira (4), serão 600 dias sem Marielle e Anderson. Luto e angústia que sempre voltam, junto com o sentimento do absurdo: "não é possível, não é possível!". Mas uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. 

Por isso cobramos justiça para Marielle e Anderson! Por isso denunciamos essa súbita presteza do Ministério Público e do seu chefe nacional, Aras, que dá ares de querer ser um "engavetador geral", arquivou a investigação recente: "não havia elementos a aprofundar e arquivei: provavelmente pode ter sido hoje", afirmou, em inédita celeridade e... insegurança cronológica.

Em um dia se concluiu que o porteiro mentiu - e pronto. A própria Globo, talvez preocupada em manter a concessão, já acolheu a nova versão, sem um questionamento sequer, próprio do bom jornalismo.

Imaginem a pressão que o porteiro está sofrendo. Embora ninguém consiga atinar porque ele, pessoa modesta, vulnerável, tenha “inventado" uma história para criar embaraços ao presidente da República e correr sérios riscos, não é impossível que venha a público dizer que "não disse o que disse". Na ditadura, que Bolsonaro tanto admira, volta e meia apareciam "arrependidos", afirmando o contrário do que declararam antes. "Convencidos" sabe-se bem como...

O porteiro não tinha mentido há 20 dias, quando seu depoimento foi enviado para o Supremo Tribunal Federal? Ou fizeram isso sem qualquer perícia, em "amadorismo" total? Por que essas checagens óbvias só foram feitas agora, passado mais de um ano e meio das execuções, e sete meses após a prisão do vizinho de Bolsonaro e do seu parceiro de atrocidades?

Por que os policiais não viram, em março passado, na planilha do Vivendas da Barra, o registro da casa 58 para o acesso de Élcio, apontado como co-autor do crime bárbaro? "Houve equívoco deles", prontificaram-se ontem as procuradoras - uma delas militante convicta da campanha de Bolsonaro.

E Carlos Bolsonaro, morador da casa 36, de início não estava lá no fatídico dia 14/3/2018, agora prova que estava e até tem acesso privilegiado a registros do condomínio, sem ser investigador do caso. Na "filhocracia" reinante, o rapaz tem muito poder, até o de invadir a privacidade alheia, sem autorização judicial.

Uma coisa é certa: a relação dos Bolsonaro com as milícias é pública, notória e documentada. Queiroz que o diga. E isso é uma tragédia para um país que se quer republicano.

Outra coisa é igualmente certa: há "leões" querendo devorar uma investigação isenta, profunda, imparcial e célere do caso.

Englobando tantas novas perguntas, permanece a crucial: quem mandou matar Marielle e Anderson?

*Chico Alencar é professor e escritor.

Edição: Vivian Virissimo