Criminalização

Vale pede prisão de professor que protestou contra crime de Mariana (MG) em 2015

Julgamento de processo criminal contra Evandro Medeiros, docente da Unifesspa, será no dia 22 de outubro, em Marabá (PA)

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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Professor afirma que participou do protesto, mas nega ter sido uma liderança; MP pede interdição de Medeiros
Professor afirma que participou do protesto, mas nega ter sido uma liderança; MP pede interdição de Medeiros - Foto: Alexandra Duarte

A mineradora Vale, responsável pelos crimes ambientais de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), quer que o professor Evandro Medeiros, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) seja preso por ter participado de um protesto em novembro de 2015 contra a empresa.

A Vale moveu dois processos contra o docente: um na esfera cível e outro na esfera criminal. No processo cível, ele foi absolvido em segunda instância, por falta de provas. O julgamento do processo na esfera criminal, entretanto, será no próximo dia 22 de outubro, no Fórum José Elias Monteiro, em Marabá, no sul do Pará, às 11h. Não há valor a ser pago, mas a mineradora pede a prisão do professor.

O professor da faculdade de Educação no Campo da Unifesspa se diz indignado com o fato do Ministério Público do Pará (MPPA) ter aceitado a denúncia. "O que me deixa com vergonha do sistema de justiça do país é que o Ministério Público aceitou as denúncias da Vale legitimando as práticas de criminalização que é exercitada pela mineradora contras aquelas pessoas que são críticas às atividades de mineração. Aquelas pessoas que se colocam como denunciantes dos crimes da empresa", afirma.

Segundo ele, a Vale usa a criminalização para desarticular as pessoas mais engajadas em protestar contra a empresa. Medeiros se defende de um pedido de interdito proibitório, um artifício processual utilizado para impedir agressões iminentes que ameaçam a posse de alguém.

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A mineradora também pediu a interdição de outros militantes da região, como é o caso da João Reis e Valdir Gonçalves, lideranças comunitárias de Marabá que estão proibidas de se aproximar da Estrada de Ferro Carajás (EFC) -- local onde ocorreu o protesto após o crime de Mariana, em 2015.

"A gente vive em um região muito marcada pela violência, pela violação de direitos. Essa conjuntura nos últimos anos tem sido uma conjuntura em que a democracia sobrevive, os direitos individuais e coletivos estão sob risco. Junta tudo isso e as pessoas processadas pela Vale acabam de alguma forma vivendo sob uma tensão, porque estão sob o risco de serem presas", argumenta o professor.

Medeiros ressalta, porém, que a judicialização não o afastou da luta. "Não deixei de denunciar as arbitrariedades cometidas pela empresa e nem de me pronunciar publicamente sobre as situações que envolvem os impactos da mineração na região. Pelo contrário, senti muito mais vontade de me envolver com isso. Só que ao mesmo tempo isso é movido por um sentimento de indignação, de raiva e de impotência", assinala.

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O protesto e a acusação 

 

Protesto em Marabá denunciando crimes da Vale, em 2015 (Foto: Arquivo)

Evandro Medeiros foi denunciado logo após o crime de Mariana (MG). No dia 20 de novembro de 2015, em Marabá (PA), aproximadamente 30 pessoas protestaram no trilho da Estrada de Ferro Carajás (EFC) -- ponto utilizado pela Vale para escoar os minérios. O ato foi feito em solidariedade às vítimas do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton.

O ato também protestava contra impactos pela estrada de ferro. As casas que ficam próximas dos trilhos sofrem não só com a poluição sonora causada pela trepidação do trem, mas tem falhas estruturais como rachaduras, que, segundo moradores, coloca suas vidas em risco.

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De acordo com o professor, a manifestação durou menos de uma hora, foi pacífica e que o trem não foi impedido de passar. Ao saber da manifestação, a Vale teria suspendido as viagens do trem de transporte de minério. Ele alega também que o trem de transporte de passageiros -- que a empresa afirma ter sido colocado em risco -- já havia passado pelo local quando ocorreu o protesto.

Medeiros diz também que apenas participava do ato como professor e cidadão. "Em nenhum momento a gente nega ou eu nego que eu estive lá, que eu estive com os estudantes. Mas eu não sou uma liderança dentro do ato. Foi um ato construído em colaboração com vários sujeitos, professores, estudantes, moradores da comunidade, do sindicato, dos movimentos sociais", explica.

O docente é acusado não só de ser o líder do protesto, mas de “fazer justiça pelas próprias mãos”, crime enquadrado no artigo 345 do Código Penal Brasileiro.

Ao ser absolvido no processo cível, porém, a Justiça considerou que o professor exerceu o direito de participar de uma manifestação junto à comunidade, assegurado na Constituição.

Além disso, por ter sido um protesto de curta duração a juíza responsável pelo caso entendeu que não havia provas efetivas atraso no transporte de cargas e/ou passageiros feitos pela mineradora e, muito menos, que o ato seria capaz de interferir na atuação da Vale ou da Samarco.

Após a decisão que inocentou Medeiros, a Vale não desistiu do caso e encaminhou uma denúncia ao Ministério Público -- em janeiro deste ano --, que aceitou a denúncia.

A manifestação realizada em novembro de 2015, que deu origem aos dois processos, era em solidariedade às vítimas de Mariana, mas também reunira impactos pela estrada de ferro. As casas que ficam próximas dos trilhos sofrem não só com a poluição sonora causada pela trepidação do trem, mas também tem falhas estruturais como rachaduras, que colocam em risco à vida de quem mora no local. 

Outro lado

Procurada pelo Brasil de Fato, a Vale respondeu que "ação penal é movida pelo Ministério Público do Pará". A mineradora aponta que a denúncia do MP se refere ao papel de liderança exercido por Medeiros durante o protesto em Marabá. "A invasão paralisou toda a operação da ferrovia no dia 20 de novembro de 2016. O crime de perigo de desastre ferroviário é previsto no Código Penal Brasileiro", diz a empresa. Ela destaca ainda que "invasão e obstrução de ferrovia coloca em risco a operação ferroviária, interrompe o transporte de minério, combustível e grãos e afeta mais de 1.300 pessoas das comunidades, que usam o trem de passageiros diariamente entre o Pará e o Maranhão".

*Matéria atualizada em 9 de outubro, às 11h, para inclusão do posicionamento da Vale.

Edição: Rodrigo Chagas