O STF acertou ao anular processo que não garantiu direito à ampla defesa
Por Martonio Mont'Alverne
O anúncio de que o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá concluir em breve o julgamento sobre o momento processual da apresentação de alegações finais pela defesa após a acusação levanta questões em todos os sentidos.
Trata-se do julgamento do Habeas Corpus nº 166373 contra decisão do Superior Tribunal de Justiça. Como a figura de delator – e, por óbvio, aquela do delatado – somente apareceu com a Lei nº 12.850/2013 (”lei da delação premiada”), a legislação penal até o momento não trata sobre a importância de o delatado apresentar suas alegações após o binômio acusação/delator.
Aqui há de se recorrer às normas constitucionais, como não poderia deixar de ser. E como temos um constitucionalismo dirigente e garantista na sua origem constituinte, nada mais racional que o tribunal encarregado da guarda da constitucionalidade busque a resposta para esta lacuna na ampla defesa, com os recursos a ela inerentes que consta expressamente da Constituição.
Ante uma perspectiva constitucional inexiste dúvida. O STF é o guarda da Constituição e deve extrair diretamente da literalidade constitucional suas decisões. Assim, o STF acertou quando decidiu que o processo que não tenha garantido ao delatado a apresentação de suas alegações finais somente após acusação/delator será nulo, por ofensa direta à garantia da ampla defesa. Ninguém com o mínimo de bom senso duvida que a ampla defesa inclui a civilizatória exigência de que qualquer um saiba do que é acusado, sob quais circunstâncias, com quais provas e quais as penas que contra si são requeridas. Somente assim é possível o exercício da ampla defesa.
Ocorre que o STF deseja ainda modular os efeitos desta decisão já tomada. O que significa tal posição? Com a recepção no Brasil do Direito da Constitucionalidade europeu (e com destaque o alemão, resultado da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Federal Constitucional daquele País), restaram legalizadas autorização ao STF para recursos interpretativos temporais e determinação dos sentidos dos atos normativos.
Assim, como prescrevem as Leis nº 9.868 e 9.882, ambas de 1999, o STF poderá declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto, ou firmar a interpretação conforme a Constituição ou ainda modular no tempo o efeito de suas decisões. Interessante notar o detalhe de que a modulação é uma exceção, já que não é o STF legislador. Ou não deveria sê-lo!
Parece não haver muito o que modular no caso do HC nº 166373. Trata-se de um recurso objetivo: o paciente diz que está a sofrer constrangimento ilegal na sua primeira liberdade, que é a de ir e vir; o órgão julgador deve analisar se há ilegalidade ou não na prisão. Como o STF já disse que há, teria que mandar expedir a soltura do paciente, e aplicar o mesmo entendimento a todos, inclusive fazendo retroagir os efeitos em todos os casos. O princípio de que o Direito Penal somente retroage em favor do réu, e que já é assimilado no Brasil e no mundo há séculos, não deixa espaço para ser relativizado.
Mas, e os processos da operação Lava Jato já julgados? Os processos da Lava Jato já julgados submeter-se-ão à constitucionalidade e à legalidade; algo que não era o caso, ao que tudo tem indicado no noticiário recente brasileiro.
Edição: Rodrigo Chagas