Pela primeira vez no Brasil, a população está tendo que gastar mais dinheiro do orçamento familiar com transporte do que com alimentação. Os dados, coletados e processados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no período de 2018 e 2019, mostram que 18,1% das despesas vão para transporte, 17,5% para alimentação e, na liderança dos gastos, habitação, com 36,6%.
O Rio de Janeiro não se distancia da realidade nacional. Para Marcos Vieira, morador do São Bento, bairro de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e estudante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os gastos com transporte público para a faculdade já o fizeram perder até prova. Por dia, Marcos precisa desembolsar R$ 17 com os ônibus de ida e volta para a universidade, que fica no Maracanã.
“Para evitar gastar tanto, tive que organizar minha grade de horário de uma forma a não precisar ir todos os dias à universidade. Em compensação, fico o dia inteiro lá. Se eu fosse para a faculdade todos os dias, como eu gostaria, comprometeria mais de 60% da bolsa permanência que recebo e não ia ter dinheiro para alimentação, livros e outros materiais de estudo”, conta o estudante.
Como morador da Baixada Fluminense, Marcos não tem direito à gratuidade em transporte público, benefício que contempla apenas estudantes da capital. O estudante aponta para um descaso que pode ser observado em outras cidades brasileiras: a falta de políticas públicas no setor de transportes. “Minha universidade é estadual, mas quem custeia esse tipo de benefício, a qual não estou incluído, é a prefeitura. A meu ver, essa responsabilidade deveria ser do governo estadual”.
A mesma opinião é reforçada pelo pesquisador em mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Rafael Calábria. Ele alerta para o fato de que a falta de políticas públicas que contemplem o transporte gratuito ou com tarifas mais baratas acaba afetando outros direitos garantidos ao cidadão brasileiro, como saúde e educação. Sem transporte não se pode chegar a escolas ou hospitais gratuitos.
“Os dados do IBGE, na visão do Idec, mostram o quão excludente se tornou o transporte nas maiores cidades brasileiras. Isso é resultado de um cenário que se construiu aqui, de se naturalizar um padrão em que apenas o usuário paga o transporte coletivo. Em outros países, há um cenário de estímulo de subsídio, de financiamento e de tributos para garantir o acesso a esse direito”, analisa Calábria.
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018 contrasta com os gastos que o brasileiro tinha com transporte no passado. Na década de 1970, por exemplo, o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) informa, segundo o IBGE, 11,2% do orçamento das famílias estavam comprometidos com gastos em transporte.
Edição: Mariana Pitasse