Uma guerra surda envolvendo prefeitos, governadores, deputados, senadores e até integrantes do primeiro escalão do governo federal criou um inesperado obstáculo para a aprovação em definitivo da reforma da Previdência no Senado. No centro do conflito estão os R$ 106 bilhões que o governo espera arrecadar com o megaleilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal, previsto para 6 de novembro.
A expectativa do governo era ver a reforma totalmente aprovada já na semana que vem no Senado. Mas os prazos regimentais jogaram a discussão para depois do dia 14 – e o debate pode se alongar ainda mais caso os poderes não cheguem a um consenso quanto à partilha dos recursos do leilão.
Dentro de cada um dos poderes há divergência. A cúpula da Câmara discorda da direção do Senado, enquanto no Executivo o confronto se dá diretamente entre o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
O que se convencionou chamar de “questão federativa” fez parte do acordo entre as diversas instituições para garantir a votação da reforma. Originalmente, o acerto destinava 15% dos valores obtidos nos próximos leilões para estados (representados pelos senadores) e o mesmo percentual para os municípios (representados pelos deputados).
Os deputados, entretanto, já sinalizaram a intenção de aprovar um projeto de Lei redefinindo o percentual municipal para 20%, reduzindo a fatia dos governos estaduais para 10%, com o que os senadores não concordam.
Antes mesmo do encerramento da votação do primeiro turno da Previdência no Senado, lideranças partidárias da afirmaram ao presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) que a segunda votação estava em xeque por causa da movimentação da Câmara.
Para destravar a votação e definir uma data, estes senadores pedem que no governo defina a questão editando uma Medida Provisória que garanta os percentuais pactuados. Informações de bastuidores dão conta de que a solução via MP tem a simpatia de Bolsonaro – porém enfrenta e resistência de Paulo Guedes.
Atritos no governo
Na primeira votação, o Senado derrubou as modificações propostas para as regras do abono salarial, o que intensificou a desconfiança de parcela dos deputados da base governista e fez com que Guedes ensaiasse uma espécie de vingança travestida de “compensação”.
Nas contas do governo, a manutenção do abono – pagamento de “14º” para quem recebe até dois salários mínimos de benefício – vai gerar uma perda de R$ 76 bilhões em relação à “economia” que a reforma supostamente tará aos cofres públicos. E a intenção de Guedes é recuperar esse recurso mordendo o dinheiro do leilão destinado a estados e municípios.
Diante do potencial explosivo da proposta, Bolsonaro tratou de abafá-la antes que viesse a público formalmente.
A partir daí, o governo passou a negociar outra possível solução com os congressistas, insinuando que o dinheiro dos leilões poderia ser usado também para emendas parlamentares. A ideia, entretanto, não foi bem recebida pelos presidentes de nenhuma das casas legislativas.
Com o impasse e as trapalhadas do governo, os partidos que fazem oposição à reforma da Previdência – por entendê-la como prejudicial aos direitos dos trabalhadores – devem ganhar mais tempo e também mais aliados na luta para alterar pontos do projeto.
Edição: João Paulo Soares