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Eu sei o que vocês fizeram no ano passado

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Eleitor de Bolsonaro comemora a vitória do candidato em outubro de 2018, no Rio de Janeiro
Eleitor de Bolsonaro comemora a vitória do candidato em outubro de 2018, no Rio de Janeiro - Mauro Pimentel/AFP
Direita "liberal" que ajudou a eleger Bolsonaro agora tenta se descolar dele

De uns tempos para cá, apareceram resmungos à direita, cada vez mais contrariados. O constrangimento se deve a Bolsonaro e sua trupe circense. Para certa direita, pega mal. É uma direita que prefere distância das milícias. Tem horror do palavreado boçal do capitão. Quer ser chamada de “liberal”, uma das tantas palavras ocas que pode significar qualquer coisa ou nada. Uma das lideranças dessa direita descafeinada resmungou algo como “esse cara vai nos queimar”. Em 2018, tão logo viu seu cavalo predileto mancando no partidor, saltou no lombo da cavalgadura excêntrica ao lado, mas que poderia levá-la à vitória.

Sim, no ano passado vocês se uniram ao pior do pior servindo de degrau para a escalada de uma aberração ao poder. Mas foi algo de caso pensado. Confiavam que o eleito entregaria a mercadoria cobiçada. É o que está fazendo: coureando o trabalhador, descarnando o país e cumprindo as ordens do patronato. Para vocês, está ótimo. O problema reside nas aparências, na inadequação pública da figura, no ministério picaresco, na submissão a um guru evadido de uma peça do teatro do absurdo e no caudal diário de asnices. Isto é que constrange, não?

E quando o mundo estiver rindo da estupidez de Bozo – sei que é assim que vocês o tratam em privado –, estará rindo de vocês também. Sim, vocês o apoiaram, vocês se engajaram na sua campanha, vocês o elegeram. Ele se tornou a extensão de vocês. Era o jogo e era o trato. Ele está cumprindo a sua parte. Ele está para vocês como o jagunço está para o mandante. Igual.

Quando, ao contrário, o mundo expuser toda a sua revolta diante da devastação da Amazônia, vocês também serão apontados como autores intelectuais do assassinato ambiental. Quem ameaça e quem destrói é a violência, a ignorância e sobretudo a cobiça, virtudes tão decantadas do capitalismo mais atroz, o nosso. Certo, vocês não querem ser vistos assim. Mas serão. E é justo que sejam.

Pode demorar mas, em certo momento, o assalariado que votou no 17 induzido pelas lorotas do whatsapp olhará o panorama – desemprego, fábricas falindo, aposentadoria roubada, saúde e da educação destroçadas – e entenderá que foi iludido. Com algum esforço, perceberá a quem o seu eleito serve e serviu: à banca, ao especulador, aos picaretas de modo geral. A quem vocês representam. A vocês.

Quando a escalada de agressões aumentar, sua intensidade contra a ciência e a cultura, as universidades – onde vocês catam mauricinhos para sua militância – voltarão a ser, definitivamente, terreno inóspito para qualquer direita.

A cada instante em que bozocéfalos sustentarem que a Terra é plana, que vacina causa autismo, que Theodor Adorno escreveu as canções dos Beatles, que Obama é um agente russo e a existência de fetos em refrigerantes, todo esse besteirol será propriedade conjunta de vocês. Ficará claro que é assim que a direita brasileira pensa.

Quando Bolsonaro ou qualquer um de seus filhos ou ministros estiver encenando seu espetáculo recorrente de homofobia, xenofobia, misoginia ou racismo, vocês serão sócios nisso daí. Ficará claro que é assim que a direita olha para o diferente: com desprezo e ódio.

Damares e o Jesus na goiabeira, Weintraub e a balbúrdia, Moro e o direito penal do inimigo, Araújo e seu arcaísmo, Guedes e sua vulgaridade. Tudo isso representa vocês. É a cara de vocês.

E quando outra bala matar a próxima Ágatha, a conta não irá apenas para a direita mais selvagem. Vocês, como facilitadores da barbárie, também terão sangue nas mãos.

Bolsonaro presta um serviço relevante de utilidade pública. Expõe as entranhas da direita brasileira. Revela como ela é: brutal, injusta, implacável. Chutando os fracos, afagando os ricos. Vocês se tornaram ele. Ele encarna vocês. Não há separação de corpos. Não há escapatória.

Edição: João Paulo Soares