A relação entre sistema político e sistema de Justiça, principalmente a cúpula do Judiciário representada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tem gerado tensões na base do governo Jair Bolsonaro (PSL) no Congresso.
O último episódio dessa relação conflituosa -- marcada pelas mudanças no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), tentativas de alteração no comando da Polícia Federal e a indicação de um nome fora da listra tríplice para a Procuradoria-Geral da República -- veio à tona de forma pública: o partido presidencial perdeu uma senadora por conta da proposta da chamada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Lava Toga.
A senadora Juíza Selma, que conta com uma decisão na Justiça Eleitoral pela perda de sua cadeira, trocou o PSL pelo Podemos, após afirmar que Flávio Bolsonaro a constrangeu para que se colocasse contra a instauração da CPI, que busca investigar prioritariamente ministros do Supremo. De acordo com sua versão, Flávio teria afirmado que a parlamentar, ao assinar a CPI, estaria “querendo foder” sua situação na investigação do caso Queiroz
O líder do PSL no Senado, Major Olímpio, chegou a afirmar que “quem tem que cair fora do PSL é o Flávio, não ela. Gostaria que ele saísse hoje mesmo”. No ato de filiação de Selma ao Podemos, Major Olímpio fez uma nova sinalização, chamando a parlamentar de “companheira de ideais”.
“Eu fiz questão de estar aqui presente para dizer da altivez, da coragem moral da senadora Selma. Senadora Selma sempre se posicionando de forma muito firme e idealista. Você está fazendo uma escolha digna e séria. Indo para um partido sério. Na vida a gente nunca adeus. Em alguns momentos a gente diz: até breve”, disse.
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Desgaste
Professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Frederico Almeida entende que parcelas do sistema de justiça, por pertencerem à mesma “elite política”, sempre tiveram posições mais próximas ao que se poderia chamar de “velha direita”. O caráter conjuntural da associação com Bolsonaro, neste momento, estaria se desgastando.
“Não seria necessariamente uma aliança ideológica orgânica, profunda, com Bolsonaro, mas sim de caráter estratégico em torno das eleições, no qual ele despontou como alternativa ao PT. Como todos os grupos que se alinharam ao Bolsonaro sem uma adesão tão forte, as relações têm se desgastado. No caso da Justiça isso fica muito evidente”, aponta.
Almeida entende que Bolsonaro, que “pegou carona na cruzada contra a corrupção”, entra em choque com tais setores por dois vetores. Primeiro, por conta das implicações criminais que envolvem a própria família -- elementos do caso Queiroz como a relação com milicianos. Depois, pelo próprio projeto político desenhado pelo presidente, que não admite “organismos de fiscalização e controle independentes”.
Do ponto de vista das questões particulares, Almeida ressalta a decisão recente do presidente do STF em relação à suspensão de investigações do Ministério Público com base em informes do Coaf repassados sem autorização judicial, caso no qual se inclui o procedimento contra Flávio Bolsonaro e Queiroz.
O cientista político ressalta, entretanto, que mesmo que esta situação familiar estivesse ausente, há razões para o Executivo evitar uma postura abertamente ofensiva em relação ao STF.
“O Toffoli está desde as eleições sinalizando para o Bolsonaro, uma tentativa de alinhamento. A CPI da Lava Toga teria como alvo preferencial o Supremo. Bolsonaro sabe que depende do Supremo para questões de reforma econômica”, afirma.
Do outro lado
Enquanto a Lava Toga divide a direita, a minoria parlamentar irá iniciar uma campanha para a instalação da CPI da Vaza Jato, tendo como base as revelações publicadas pelo site The Intercept Brasil. Os alvos seriam, nesse sentido, Deltan Dallagnol e Sérgio Moro.
A novidade é que a articulação pela CPI terá também um caráter extraparlamentar, envolvendo artistas, advogados e jornalistas.
Edição: Rodrigo Chagas