Na noite da última segunda-feira (16), o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu por unanimidade manter a condenação de um dos policiais militares envolvidos no assassinato do estudante Hanry Silva Gomes da Siqueira, em 2002. Hanry foi morto aos 16 anos com um único tiro a queima-roupa durante uma operação policial no Morro do Gambá, localizado no Lins, zona norte do Rio de Janeiro.
O caso ficou marcado pela forte atuação da mãe de Hanry, Márcia de Oliveira Jacintho, que se mobilizou para provar a inocência do filho. Para isso, ela voltou a estudar, chegou a cursar o 1º período da faculdade de Direito, e por seis anos investigou sozinha o caso. Dezessete anos após a execução do filho pela PM, Marcia Jacintho ampara outras mães de vítimas do estado atuando na Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência na cidade do Rio.
“Valeu a pena toda minha luta e busca incansável para trazer a prova da inocência dele que na verdade deveria ter sido feito pelo Estado. Fui eu como mãe que fiz tudo aquilo que não quiseram fazer porque seria mais um. Depois do júri saí aliviada com um peso a menos no meu coração. A dor não adianta, você sente, mas pelo menos não ficou impune. Hoje, mais do que nunca, posso dizer cidadão, estudante, como ele sempre foi”, disse Márcia em entrevista ao Programa Brasil de Fato RJ.
Violência policial
Segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (ISP), mais de 6 mil pessoas foram mortas por agentes do estado em 2018, revelando um aumento de 20% se comparado como o mesmo período do ano anterior. Dezessete anos depois da morte de Hanry, os números apontam que a realidade é ainda mais grave. Para a antropóloga e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Lucía Eilbaum, os dados do ISP confirmam de forma explícita a tese de que existe um genocídio promovido pelo Estado contra uma parcela da população.
“Nos últimos anos, casos como de Hanry vem se intensificando de forma brutal. Os números são absurdos e confirmam a tese de um genocídio, não de uma violência aleatória. Também há um discurso de ódio e violência incentivados desde os mais altos cargos políticos, da presidência da República ao governo do Estado do Rio. Um ataque explícito aos direitos humanos. Esse contexto político de ódio e incentivo a violência agrava os crimes promovidos pelo Estado, ”, destacou a professora em entrevista ao Programa Brasil de Fato RJ.
Na avaliação de Márcia, os casos se repetem e só mudam de endereço. ”Vigário Geral, Acari, Candelária, Borel. Foram muitos casos antes e depois do Hanry. Nós vamos nos abraçando, chorando juntas. O genocídio da raça negra, o racismo, preconceito é alarmante em todo país. Só muda de bairro e vítima, mas é o mesmo estado, mesmo álibi a ação genocida”, completa a mãe de Hanry.
Relembre o caso
Hanry foi assassinado em 2002. No local do crime foram implantadas uma arma e drogas para incriminar o adolescente. Seis anos depois, dois policiais militares foram condenados: Marcos Alves da Silva, por fraude processual e homicídio, e Paulo Roberto Paschuini, por fraude processual. Paschuini recorreu e conseguiu um novo julgamento. Em 2012, ele foi condenado novamente, desta vez também por homicídio. No início de 2019, a decisão acabou cancelada por “quebra de incomunicabilidade entre os jurados durante o julgamento”. No último júri, realizado na segunda (16), a condenação do policial foi novamente confirmada.
*Entrevista: Raquel Júnia | Redação: Clívia Mesquita
Edição: Mariana Pitasse