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Recuo na agenda da diversidade afeta empresas e trabalhadores

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Ministro da Economia, Paulo Guedes vomitou impropérios machistas contra Brigitte Macron, esposa do presidente da França
Ministro da Economia, Paulo Guedes vomitou impropérios machistas contra Brigitte Macron, esposa do presidente da França - Foto: Agência Brasil
A tecnologia é burra; a inteligência, ou a ausência dela, está em quem manipula

Muitos anos atrás, nossos ancestrais usavam ossos como ferramentas. Certo dia, descobriram que um osso também poderia ser uma arma. Atacaram a tribo rival e mataram o líder. Depois, se apossaram do poço de água e usaram o osso-arma para ameaçar os rivais. Era o alvorecer da humanidade.

Este relato é uma descrição simplória da cena inicial do filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick. O que nos ensina? Que a tecnologia é burra. A inteligência, ou a ausência dela, está em quem manipula a tecnologia. Se o fortão tivesse usado o osso como uma pá, poderia ampliar o poço, plantar árvores e todos viveriam felizes.

No filme de Kubrick, a cena dos humanoides em volta do poço é bruscamente cortada para uma estação espacial de altíssima tecnologia, em um futuro muito distante. É uma das mais dramáticas transições temporais vistas no cinema.

Vamos, nesse texto, também fazer um corte brusco. Saímos da beira do poço primordial e estamos agora em um auditório lotado de empresários, na cidade de Fortaleza, alguns dias atrás. No palco, manipulando um osso-arma, convertido em microfone, está o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele é ministro de um país que transita entre dois mundos, o primitivo e o avançado.

O objetivo de Guedes, de posse do osso-microfone, é nos manter no mundo primitivo. Para isso, vomita impropérios machistas contra Brigitte Macron, esposa do presidente francês. “É feia mesmo!”, anuncia o ministro.

No passado remoto, quando o fortão estourou a cabeça do rival e tomou o poço de água, a tribo dançou e comemorou. Em Fortaleza, aconteceu a mesma coisa: o empresariado rachou de rir com os impropérios ministeriais.

O que isso nos ensina? Que a tecnologia é burra. O uso da inteligência, ou a ausência dela, está em quem manipula o osso, ou o microfone, no caso em questão.

Se Paulo Guedes tivesse usado o osso como uma pá, poderia aterrar o poço do preconceito, fazer um grande serviço ao empresariado. Porque é chocante o aplauso do empresariado.

Nesse século 21 de estações espaciais, onde fica o respeito à diversidade? Onde estão as empresas quando o tema é igualdade de gênero, respeito à mulher, atenção às minorias?

“As empresas são um reflexo da sociedade”, diz o pesquisador Ricardo Sales, da consultoria Mais Diversidade. Para ele, em uma sociedade ainda fortemente preconceituosa, não é uma surpresa empresários aplaudirem manifestações machistas ou homofóbicas. Mas pontua: “Houve importantes avanços nos últimos anos. Em grandes empresas, o tema é inevitável. A empresa sabe que está exposta, que têm riscos de imagem e que, para atrair talentos, precisa se aproximar do tema da diversidade”. Até recentemente, segundo ele, a pauta era exclusiva de multinacionais. “De dois anos pra cá, grandes grupos nacionais começaram a se aproximar do tema”.

As empresas trabalham por demanda. Se a questão aparece, enfrentam. Foi assim nos últimos anos. Mas o cenário, infelizmente, sofre retrocessos, com impacto direto na vida dos trabalhadores, dos empresários que os contratam e também de todo o conjunto da sociedade.

Para Sales, duas questões preocupam: a timidez das empresas em abordar o tema publicamente e o retrocesso nas políticas públicas. Do ponto de vista da gestão pública, os olhos estão voltados para o passado, para o osso-arma do fortão que ataca o diferente.

Ambiente nas empresas

“Não vejo retrocesso no ambiente interno das empresas, principalmente naquelas que avançaram mais nos temas da diversidade. O problema está da porta para fora”, diz o consultor. Ou seja: as empresas estão falando menos sobre diversidade. “Se da porta para dentro está tudo bem, da porta para fora houve uma diminuição nas campanhas sobre diversidade. O problema é que só da porta para dentro não resolve”, diz Sales.

Retrocesso nas políticas públicas

“As empresas partem de um recorte muito limitado da sociedade. Elas contribuem, mas sem políticas públicas, o tema não avança”, avalia Sales. Três questões o preocupam:

Caça as bruxas no setor da educação e violência contra iniciativas focadas na diversidade;

Extinção ou enfraquecimento de secretarias e conselhos que tratam do tema;

Postura de confronto governamental para com os movimentos sociais.

O que fazer?

Há uma fonte de água a ser disputada. Uma disputa simbólica e uma disputa no corpo-a-corpo das ruas, nas empresas, na escola, dentro de casa. Só uma coisa não dá pra fazer: entrar no jogo da violência, empunhar o osso-arma.

Sales dá três dicas para enfrentar o atual momento:

Aprimorar o senso de autocuidado. Olhar bem aonde pisa, sem medo mas com cuidado.

Participar e ajudar a fortalecer as redes de solidariedade. É um bom modo de enfrentar a angústia do futuro incerto, principalmente entre os jovens.

Ter sempre à mão uma boa dose de resiliência. Não é uma corrida de 100 metros. É preciso se preparar para uma maratona, para que se tenha condições de seguir adiante.

Edição: Daniel Giovanaz