Durante todo mês de setembro a revisão do Plano Diretor de Natal (RN) vem sendo discutida com movimentos sociais, organizações e sociedade civil. Entretanto, aparelhado com o setor empresarial, o prefeito de Natal Álvaro Dias vem se posicionando abertamente sobre a necessidade de se verticalizar a orla das praias por considerar “uma das orlas mais feias do Brasil”. Contudo, especialistas veem com problema essas declarações, por afetar, principalmente, as comunidades que vivem na orla, a paisagem e a infraestrutura urbana.
Em uma reunião temática da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Natal, presidida pela vereadora Divaneide Basílio (PT), a arquiteta e coordenadora adjunta do Fórum Direito à Cidade/Natal, Amíria Brasil, apresentou estudos técnicos que mostram como a verticalização da orla pode gerar a contaminação de esgoto nos lençóis freáticos, a expulsão das comunidades pesqueiras e tradicionais que vivem ali e um impacto direto na paisagem turística (com a vista dos prédios e o sombreamento da faixa de areia).
“A gente começou a fazer estudos técnicos do que significaria, para a orla, as mudanças dos parâmetros urbanísticos para permitir essa verticalização que está sendo tanto falada”, explica a arquiteta, que também é professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN.
Trazendo como referência a Praia do Meio, por exemplo, Amíria apresenta que, de acordo com a projeção do Plano Diretor de Esgotos da RMN (2003), a projeção da capacidade do sistema de esgoto, até 2024, é de 144 habitantes por hectare (hab/ha), e a densidade atual, de acordo com contagem do IBGE (2017), é de 110 hab/ha. Ou seja, quase a capacidade total do sistema. Caso houvesse a utilização da totalidade do potencial construtivo, permitido para aproximadamente 2,5 vezes, mas mantendo um Controle do Gabarito existente hoje no Plano Diretor, poderia-se chegar a cerca de 370 hab/ha de pessoas vivendo na região, o que sobrecarregaria o sistema.
Com o fim desse Controle de Gabarito e com a permissão de verticalizar a orla, como se propõe, poderia haver um aumento de até 800 hab/ha, atingindo-se um potencial de 3,5 vezes, que é o máximo previsto para a cidade. “Essa densidade é inviável para o sistema de esgotamento sanitário que prevê 144 pessoas por hectare. Com isso, a gente teria um sistema sobrecarregado”.
A professora aponta que, atualmente, esse sistema já fica sobrecarregado em momentos com muitas chuvas, com o sistema de esgotamento chegando à praia. Com essa verticalização, o problema iria se acentuar ainda mais.
Além da questão sanitária, essa verticalização também acarretaria em um impacto direto na paisagem turística da região. Em uma simulação realizada com um ponto de vista a partir do mirante da Praia do Meio até o Forte dos Reis Magos, a verticalização dentro das comunidades que vivem na região acaba impedindo totalmente a vista turística.
“E aí a gente pode imaginar quem estaria dentro desses prédios: seriam as pessoas das comunidades tradicionais? Tem-se falado muito em adensar a orla para garantir que as pessoas morem perto do trabalho, mas as pessoas que moram na orla, hoje, elas já moram perto do trabalho”, afirma.
A Praia do Meio tem cerca de 100 mil moradores, que moram e dependem da relação com a orla. Para a arquiteta, adensar significa substituir essa população por outra que não mora, nem trabalha, nem usa aquela praia.
Sombreamento
Outra questão que pode impactar fortemente o uso das praias de Natal é a grande sombra gerada pelos prédios. Em cidades como Recife e Rio de Janeiro, onde o Controle de Gabarito foi liberado, é possível observar uma grande faixa de sombra nas praias. Na capital potiguar isso não ocorre devido à manutenção desse controle.
“A faixa de praia de Ponta Negra é muito menor do que a comparada com João Pessoa, Fortaleza e Recife. E com isso, além da gente não ter turistas nas praias por causa das sombras, também prejudicaríamos os pescadores, porque o sombreamento da água também traz impactos no bioma daquele local”, ressalta a arquiteta.
Simulação do sombreamento da orla de Ponta Negra com a verticalização. Fonte: Fórum Direito à Cidade.
Edição: Marcos Barbosa