homofobia

Escritores, editoras e leitores não aceitam censura de Crivella na Bienal do Rio

Apesar da polêmica ordem de retirada de livros com temática LGBT, a programação da Bienal foi mantida

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Crivella é prefeito do Rio de Janeiro desde 2017
Crivella é prefeito do Rio de Janeiro desde 2017 - Fernando Frazão/Agência Brasil

A tentativa de censura imposta pelo prefeito Marcelo Crivella não foi aceita pela Justiça nem pelos participantes da Bienal do Livro do Rio de Janeiro. A organizadora, GL Eventos, editoras e escritores se rebelaram contra a determinação autoritária de retirada de livros de temática LGBT. Segundo o prefeito, o “homossexualismo” não deve ser acessível a jovens e crianças. Nessa cruzada, ele tentou retirar quadrinhos e romances infanto-juvenis das prateleiras e colocar avisos “+18” em publicações que passavam longe do erotismo.

Criticado por sua gestão à frente da prefeitura, a cruzada de Marcelo Crivella pelo mar da moral e dos bons costumes contra a Bienal do Livro começou na noite de quinta-feira, quando postou um vídeo em que dizia que determinou aos organizadores do evento que recolhessem livros “com conteúdos impróprios para menores”. O alvo principal foi a história em quadrinhos da Marvel “Vingadores – a cruzada das crianças”. A publicação, que traz um beijo entre dois heróis, esgotou após a “ordem” de Crivella.

A organização do evento disse que não iria esconder o livro “pois o conteúdo não é impróprio e nem pornográfico”, e Crivella decidiu enviar um grupo de fiscais ao evento para pressionar editoras a cumprirem a ordem e procurarem o HQ dos Vingadores. Entre as determinações, os livros com qualquer referência LGBT deveriam ficar no alto, e com um selo “+18”, mesmo não tendo conteúdo erótico ou pornográfico.

Leonardo Antan, editor do selo Carnavalize da editora Rico, autor de contos e romances LGBT, conversou com a Fórum e disse que os leitores não se abalaram com a tentativa de cerceamento imposto por Crivella e que o público agiu como nos outros dias. “Repercutiu muito mais entre autores e editoras do que entre os leitores, que vieram, buscaram nossos livros, participaram da nossa sessão do livro ‘Cor não tem gênero'”, contou. “Vendemos os livros normalmente e estamos aqui vendendo ainda”, completou.

Ele conta que a Rico foi surpreendida com uma pessoa se identificando como fiscal da GL, empresa da Bienal, e mandando lacrar e colocar um selo +18 em livros LGBTs. No entanto, a organizadora informou que não deu a determinação e que não há respaldo legal para isso e disse que, se acontecesse novamente, a editora deveria procurar o setor jurídico. “Nenhum dos nossos livros LGBTs tem cena de sexo, por exemplo, então não tem o menor motivo para eles serem +18 anos”.

Antan conta que durante o evento, que começou no dia 30 de agosto, presenciou vários leitores dizendo que encontraram no stand um livro que os representasse. “Passei esses dias ouvindo ‘procurei a Bienal inteira livros assim’, ou ‘enfim um livro que me representa’. Depois de todos esses dias, encontrando leitores, dando abraços e trocando carinho, hoje, a recomendação que foi passada no estande é que os livros LGBT precisam ficar fora do alcance de menores de idade e indicados com uma plaquinha “+18″. Todos os livros são jovens, não tem cenas de sexo, violência ou qualquer coisa do tipo. São livros sobre se aceitar, se amar. São apenas romances”, desabafou mais cedo em suas redes sociais.

Editoras não aceitam censura

Pelas redes, editoras como a Galera Record, do Grupo Editorial Record – que não tem ligação com a emissora de Edir Macedo -, se manifestaram contra a decisão. “A Galera Record repudia qualquer tipo de censura e reitera a importância da representatividade na literatura jovem como forma de combate ao preconceito. Homofobia é crime e acreditamos que o papel do estado é incentivar a leitura e não criar barreiras que marginalizem uma parcela da população que já sofre com a intolerância”, disse em nota.

“Recebemos um aviso no nosso estande na Bienal de que haveria uma fiscalização da Secretaria de Ordem Pública do Rio de Janeiro exigindo que todos os livros com conteúdo LGBTQS fossem lacrados e sinalizados como livros com conteúdo impróprio”, contou a editora. “Nossos livros estão à venda no estande e em todas as livrarias brasileiras, online e físicas. Vamos continuar lutando para que todos os jovens se vejam representados em nossas histórias”, finalizou.

A Companhia das Letras também se manifestou de forma dura contra a censura. “Diante da censura feita por Marcelo Crivella, prefeito do Rio, e da fiscalização p/ identificar livros considerados “impróprios” na Bienal do Livro, a Companhia manifesta seu repúdio a todo e qualquer ato de censura e se posiciona, mais uma vez, à favor da liberdade de expressão”, disse.

Luiz Schwarcz, fundador da editora, elogiou a posição da Bienal e criticou Crivella, o governador de São Paulo João Doria e o presidente Jair Bolsonaro por desprezarem “valores fundamentais da sociedade” e “tentarem impedir o acesso à informação séria, que habilita os jovens a entrar na fase adulta mais preparados para uma vida feliz”. Schwarcz condenou a ordem de Doria de rever livros do ensino fundamental de SP e a suspensão de edital para filmes LGBT definida por Bolsonaro.

Para ele, essas medidas “indicam uma perigosa ascensão do clima de censura no país – flagrantemente inconstitucional – e que traz a marca de um indesejável sentimento de intolerância discriminatória”. A editora republicou postagens de diversos autores de livros com temáticas LGBT editados pela Companhia das Letras, exaltando a diversidade.

Autores se posicionam

O escritor Paulo Coelho foi um dos retuitados. Em inglês, ele denunciou a censura de Crivella: “A Feira do Livro do Rio foi invadida hoje por neo-talibãs confiscando livros ‘pecaminosos’. Meu ’11 Minutos’ é um texto ousado sobre prostituição, S&M, voyeurismo, disse a eles onde encontrar as cópias, mas eles não ousaram tocá-la (até agora)”. Em tuíte anterior Coelho deu as coordenadas: “11 minutos” está no estande da Companhia das Letras.

Outro autor que apareceu nas redes da Cia das Letras foi Eric Novello com seu livro “Ninguém nasce herói”, de 2017, uma distopia de um Brasil presidido por um fundamentalista religioso que persegue minorias e vê a distribuição livros como rebeldia. Novello vai participar da mesa “Distopia – Os Medos Reais que Alimentam a Ficção”. “Se vou falar pra caralho da tentativa de censura do crivella hoje? Vou sim”, disse.

Jarid Arraes, que também escreve para a Cia das Letras, lembrou o mês da visibilidade bissexual e também afrontou Crivella. “Estarei no estande da Cia das Letras, com meu livro cheio de protagonistas lésbicas, bi e trans e hetero e idosas e jovens e todas do sertão do CE. Quem quiser aparecer. Afinal, além de tudo, é mês da visibilidade bi”, disse.

Edição: Daniel Giovanaz