Por meio de decreto presidencial publicado nesta quinta-feira (05), o governo de Jair Bolsonaro (PSL) exonerou conselheiros e reduziu a participação social no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Instituído em 1991 como uma premissa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Conanda apresenta gestão compartilhada entre governo e sociedade civil.
Antes, 28 conselheiros titulares compunham o órgão, sendo que 14 pertenciam ao Poder Executivo e 14 a entidades civis ligadas à promoção dos direitos à infância e adolescência. Agora, o número de conselheiros cai para apenas 18, mantendo-se a paridade. Os conselheiros exonerados estavam no segundo semestre da atual gestão.
O decreto altera também o modelo de eleição dos representantes da sociedade civil. Antes, os nomes eram deliberados por votação em assembleia com as entidades participantes. Agora, os membros serão “selecionados por meio de processo seletivo público”. Apesar de o texto não detalhar como será a seleção, os conselheiros temem que isso signifique que o governo escolherá os nomes.
A advogada Thais Dantas é uma entre os 14 conselheiros titulares da sociedade civil retirados do cargo. No Conanda, sua participação representava o Instituto Alana, organização que atua na defesa do direito à infância desde a década de 1990. Ela afirma que o decreto de Bolsonaro é inconstitucional.
“O decreto é eivado de ilegalidades e inconstitucionalidades. O primeiro ponto é que ele contraria a norma constitucional de prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes, inscrita no Artigo 227 da Constituição, que diz que crianças e adolescentes devem estar em primeiro lugar no âmbito de políticas, serviços e orçamento público”, explica. Ela acrescenta que “não tem como garantir isso [a prioridade] sem um conselho de direitos atuante e com estrutura.”
O Conanda é responsável por atribuições ligadas à Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes. Nos quase 30 anos de sua existência, o órgão participou ativamente da formulação e gestão do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, de campanhas contra a violência e o abuso sexual, entre outros programas.
De acordo com Dantas, o decreto assinado por Bolsonaro também viola o direito das instituições participantes, que foram democraticamente eleitas no ano passado para compor o Conselho no biênio 2019/2020. “Há uma violação bastante grave que, sem dúvidas, vai afetar e prejudicar ainda mais crianças e adolescentes no Brasil”, afirma.
Além de reduzir a composição do Conselho, o decreto n° 10.003 institui assembleias trimestrais, enquanto hoje as reuniões de seus conselheiros acontecem mensalmente em Brasília (DF).
Competências prejudicadas
De acordo com Antônio Lacerda Souto, que ocupava a vice-presidência do Conanda na atual gestão, diversas competências serão prejudicadas com a medida.
Um dos principais temores é com o futuro do Fundo Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, pelo qual o Conanda é responsável. O mecanismo financia projetos e instituições de atendimento à população infantojuvenil em todo o país.
“Com o decreto, o Fundo não será liberado este ano, e vai ficar comprometido. Tudo isso tem um impacto muito negativo para a situação, que já não é fácil, de ter a criança e o adolescente como prioridade absoluta”, critica Lacerda.
Esvaziamento não é de hoje
O Conanda é um dos órgãos de participação social criados após o período de redemocratização que não foram extintos pelo governo federal no mês de abril. Na época, centenas de conselhos que fiscalizam políticas públicas foram encerrados.
No entanto, ex-conselheiros alertam que o órgão já vinha sofrendo desmontes ao longo do ano de 2019. Desde junho, o governo federal deixou de financiar o deslocamento de conselheiras e conselheiros que residem em outras regiões do país para participarem das reuniões mensais em Brasília.
Em agosto, quando o último encontro aconteceu, após a mobilização das entidades para enviar seus representantes mesmo sem a verba pública, o espaço de discussão estava esvaziado, sem a presença dos membros do governo. O esvaziamento impossibilitou que algumas das pautas fossem debatidas por falta do quórum necessário.
Edição: Geisa Marques