Nascido em São Paulo (SP), Rodolfo Nascimento, 31, acumula um vasto histórico familiar de sobrevivência na área rural. Recém-formado pela turma de Ciências Sociais da Terra do Programa de Educação da Reforma Agrária (Pronera), no dia 23 de agosto, o sociólogo é fruto de uma árdua realidade da educação no campo. O Pronera é resultado de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e movimentos sociais, como o MST.
A mãe de Rodolfo, potiguar de nascença, foi uma das participantes do processo de migração nordestina para o sudeste industrial durante os anos 1970 e 1980. Na época, ela esteve presente na ocupação de terras na área que hoje é o bairro de Jardim da Conquista, Zona Leste de São Paulo. Esse momento é visto por Rodolfo como ponto de partida de toda sua história, pois só dessa forma sua mãe via uma forma de sobreviver e, consequentemente, dar luz ao nascimento de seu primeiro filho.
“Na época, não havia um movimento específico que organizasse aquilo, mas tinha uma associação de moradores que engajaram em diversas lutas, como pela água e iluminação pública. E minha mãe passou por isso tudo grávida de mim, eu nasci nesse meio. Até que, com o aumento da criminalidade da região, sentiu a necessidade de voltar”, conta.
A passagem por SP foi rápida, porém suficiente para despertar em Rodolfo a curiosidade suficiente sobre a produção de alimentos no campo. “Eu plantava carocinhos de feijão nos vasos de plantas para vê-los nascer. Foi uma coisa construída em mim quando criança e aprimorada com a prática da agricultura”.
Chegando ao Rio Grande do Norte, essa curiosidade se tornou a prática de seu dia a dia: plantava milho, feijão e macaxeira, aproveitando da chuva quando podia, em um sítio localizado no município de João Câmara, Agreste Potiguar. Contudo, tal sobrevivência não era fácil devido à ausência do Poder Público na região, e piorou quando perdeu seus avós.
A oportunidade
Com a perda, o sítio em que morava e produzia alimentos teve que ser repartido entre vários familiares, o que levou Rodolfo e sua mãe a se mudarem para o distrito de Queimadas, comunidade a cerca de 20 km de João Câmara, no assentamento Brinco de Ouro. Uma área rural ainda mais difícil para produção de alimentos, devido à grande presença da caatinga.
Nessa situação, Rodolfo não via outra forma a não ser trabalhar com o corte indiscriminado da lenha, predominante na região. Contudo, uma oportunidade apareceu. O Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), na época ainda sob o nome de Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), estava formando uma turma de jovens do campo para o curso técnico de Controle Ambiental, através do Pronera.
“O curso, para mim, foi o contato da oportunidade de ter um emprego melhor. E, depois, ao conhecer o movimento, eu entendi que não era só a minha oportunidade, era uma oportunidade coletiva”, afirma.
Rodolfo Nascimento, técnico em Controle Ambiental, recém-formado sociólogo e juramentista da turma Rosa Luxemburgo. Foto: Douglas Mansur/Celeiro de Memória.
O curso técnico, integrado ao Ensino Médio, foi uma forma de Rodolfo poder ter uma educação de qualidade no campo, numa área que já tinha tanto interesse. E, com as aulas ministradas por meio de uma “metodologia da alternância”, ele tinha um tempo determinado para ir à sua comunidade praticar o que estudava.
“Na metodologia da alternância são alguns dias no centro de formação (tempo escola), com aulas teóricas e intensivas, oficinas e outras atividades; e outros dias no assentamento (tempo comunidade)”, explica Irene Paiva, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFRN e coordenadora dos primeiros cursos do Pronera na UFRN.
Segundo ela, a política do Pronera é destinada às áreas de assentamento e de Reforma Agrária, por isso se torna um critério que os jovens façam parte dessa região. Como há uma grande defasagem de profissionais no campo, os movimentos sociais dessas áreas apresentam necessidades de profissionais, seja na área médica, agrícola ou pedagógica e, com isso, o Pronera abre cursos para formá-los.
“Essa política foi construída a partir das lutas dos movimentos sociais, até porque não se tem, para o campo, uma educação para os jovens. Principalmente do ponto de vista do Ensino Médio e Superior, pela dificuldade histórica do jovem do campo em ter acesso à escolarização e formação”, ressalta a professora.
E foi assim que Rodolfo garantiu sua formação e atuação na área, com oportunidades de emprego conquistadas devido à qualificação do curso, trabalhando, desde 2008, em ONG’s e em empresas de Assistência Técnica Rural (ATR).
“Nós que estamos dentro do movimento já temos a prática de estar nas áreas de assentamento e acampamento, trabalhando na produção das pessoas e isso serviu muito para eu me destacar no mercado de trabalho, em concorrência com outros profissionais que estavam saindo da universidade e do Cefet, na época”, destaca o recém-sociólogo.
Ciências Sociais
Além do Ensino Básico, o Pronera também atua ofertando cursos de Ensino Superior. Na UFRN, o Programa funciona desde 1999, com o primeiro projeto de alfabetização realizado através da Pró-reitora de extensão. Durante esse tempo, a universidade já acumula dois cursos superiores de Pedagogia e um de Ciências Sociais da Terra; além de um Técnico Agrícola (na Escola Agrícola de Jundiaí – EAJ/UFRN) e um, a nível médio, de Magistério da Terra (pelo Núcleo de Educação da Infância – Nei).
Em 2014, quando abriu o edital de seleção para a turma de Ciências Sociais da Terra, Rodolfo logo sentiu a vontade de ter uma formação sociológica para, segundo ele, “entender o camponês nesse processo histórico do meio rural”.
“Quando a gente chegava às áreas de assentamento do Incra, sentíamos as Políticas Públicas engessadas. Recebíamos um projeto engessado, em que o técnico era forçado a cumprir metas pré-estabelecidas que muitas vezes não condiziam com a realidade daquela localidade. E como mudar isso?”, questiona.
Cinco anos depois do início das aulas, e após as diversas dificuldades financeiras do Programa (inclusive com dois semestres paralisados), a turma Rosa Luxemburgo finalmente se formava com seus 40 alunos. A cerimônia, que ocorreu no Centro de Formação Patativa do Assaré, no município de Ceará-Mirim (Leste Potiguar), foi marcada por um grande simbolismo de resistência pelos recém-sociólogos.
De acordo com o professor e coordenador do curso César Sanson, isso tudo se deu porque a particularidade do curso é se instituir como uma política social de inclusão da educação no campo. “São jovens oriundos de assentamentos, em sua maioria interiorizados, que jamais teriam condições de acessar um curso superior, se não fosse através desse Programa”.
“Estamos afirmando aqui a importância de se ter pessoas qualificadas, preparadas, com capacidade de discernimento e de contribuir na formação, da perspectiva de ampliar o conhecimento. Esses jovens terão um papel muito importantes em suas comunidades locais, pois serão agentes e lideranças que vão articular a formação com as atividades do trabalho social”, ressalta o coordenador.
E é o que já vem acontecendo com Rodolfo, que além de ajudar comunidades rurais em questões técnicas agrárias, agora também passou a dar aulas em um projeto de alfabetização do Governo Cidadão (antigo RN Sustentável).
“Eu trabalho não só o letramento, consciência crítica e alfabetização, mas também a parte técnica, das Ciências Agrárias. Pensando como fazer com que a agricultura camponesa e dos movimentos sociais tenha seu preconceito desmitificado, como há com o MST e outras organizações”.
Edição: Marcos Barbosa