Apesar de nunca ter concordado em divulgar a lista de empresas contratantes das suas palestras sobre combate à corrupção pelo Brasil, Deltan Dallagnol não nega que exerce a atividade.
Em 2017, questionado internamente pela Corregedoria do Ministério Público Federal sobre sua remuneração enquanto palestrante, Deltan afirmou, em sua defesa, que "o objetivo das palestras não é enriquecer".
O procurador informou, ainda, que os valores recebidos por ele estavam sendo destinados a um fundo, que futuramente seria utilizado em "em despesas ou custos decorrentes da atuação de servidores públicos em operações de combate à corrupção, tal como a Operação Lava Jato, para o custeio de iniciativas contra a corrupção e a impunidade, ou ainda para iniciativas que objetivam promover, em geral, a cidadania e a ética".
A apuração publicada pela Folha de S. Paulo, em parceria com o The Intercept Brasil, indica que, desde então, o chefe da Lava Jato promoveu alterações no estilo de contrato de suas palestras, deixando a filantropia de lado.
A partir de 2017, Dallagnol teria começado a focar o meio empresarial e arrecadou ao menos R$ 580 mil. De acordo com a reportagem, o cachê cobrado por ele variou entre R$ 10 mil e R$ 35 mil. O total arrecadado desde o início da Lava Jato passou de R$ 1 milhão caso, levando em conta as quantias que Deltan também destinou para instituições filantrópicas -- o que teria ocorrido principalmente em 2016.
As mensagens e documentos examinados pelos jornalistas não permitiram constatar a formação do fundo prometido pelo procurador à Corregedoria do MPF
A reportagem tampouco encontrou registros de altos valores de contribuições para caridade doados Deltan desde 2017.
Foram averiguados os documentos de 20 palestras de Deltan pagas ou programadas entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2019, com cruzamento de diálogos, planilhas, recibos e contratos que circularam em grupos de conversas do procurador.
A Unimed, gigante da área da saúde, foi a contratante de um quarto das palestras verificadas. A Folha apurou que Deltan chegou a solicitar à sua empresária que a Unimed o contratasse para palestrar em Salvador. "É que não tenho nada relevante em Salvador e queria ir pra lá pra espalhar a campanha. Como Vc sempre tem contatos na Unimed, pensei que podia ser uma boa”, explicou o procurador", disse o procurador.
Outros contatantes foram instituições e firmas do mercado financeiro, da indústria e do comércio, como Febraban (Federação Brasileira de Bancos), B3, XP e Centro Industrial do Ceará (CIC).
"Vamos lucrar, ok?"
Em diálogos e documentos revelados revelados em julho pelo Intercept, havia ficado explícita a intenção de Dallagnol em lucrar com participações em eventos, palestras e livros a custa da fama obtida como chefe da força-tarefa da Lava Jato.
“Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, disse em um chat do Telegram com sua esposa.
Palestras remuneradas foram peça central no argumento do MPF para pedir a quebra do sigilo bancário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na decisão que autorizou a quebra, Moro escreveu que os valores recebidos por Lula pelas palestras, apesar de lícitos, bastavam para criar "dúvidas" e justificar a investigação.
Preocupado com sua reputação e com as críticas pelas palestras que vinha vendendo, Deltan conversou por horas, no dia 20 de junho de 2017, com assessores de comunicação do MPF em um grupo do Telegram:
Deltan Dallagnol – 12:33:07 – Mas por que a polêmica sobre isso é ruim?
Dallagnol – 12:33:26 – Vai reforçar coisa boa
Assessor 1 – 12:34:20 – não vai, esse é que é o problema. o que chama a atenção é o negativo, não o positivo.
Assessor 1 – 12:34:56 – Lula não pode dar palestra, procurador que ganha super salário pode…
Assessor 1 – 12:35:32 – procurador fatura e ainda tenta posar de bom moço…
Em nenhum momento, no entanto, Dallagnol cogitou parar de receber para palestrar. Pelo contrário, o procurador e seus colegas continuavam empolgados com a perspectiva de novas palestras remuneradas.
Medo das críticas
As mensagens no Telegram mostram que o procurador não divulgou dados de suas palestras temendo questionamentos legais e críticas.
A Folha pediu, em 2017, esclarecimentos sobre as palestras remuneradas do procurador. No Telegram, Deltan disse à época a um assessor da Procuradoria:
“Tenho pensado se devo soltar os nomes dos tomadores, mas o pessoal da FT acha que não, pq vão fuçar para dizer que um diretor da entidade tem isso ou aquilo, que o médico vinculado àquela unimed tá procesado por sonegação ou isso ou aquilo... acham que quanto mais ficar dando corda, pior será”, afirmou.
A resposta do assessor: “Sim, vão acabar querendo especular que vc deu palestra em entidade de tal pessoa que já foi citada em algo.... etc...”.
Encontro com banqueiros
Dallagnol foi a estrela de um encontro com representantes de alguns dos bancos e investidores mais influentes do Brasil e do mundo — JP Morgan, Barclays, Goldman Sachs, Deutsche Bank, Itaú, Santander, entre outros.
A representante da corretora Débora Santos, que fez o convite ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato, garantiu que o diálogo seria “privado, com compromisso de confidencialidade” e que já havia feito um encontro parecido com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux: “não saiu nenhuma nota na imprensa”.
Antes de trabalhar na XP, Santos era assessora particular do Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.
"Fazemos econtros regulares com atores do mercado para fazer análises conjunturis sobre temas da atualidade. Estamos na fase de ciclo de encontros sobre Lava Jato e Eleições, por isso estivemos com o ministro Fux, na semana passada, e estamos negociando data com os ministros Barroso e Alexandre de Morais tb.", detalhou Santos durante as tratativas com Dallagnol.
O chefe da Lava Jato, que já havia vendido uma palestra à XP a troco de R$ 33 mil, decidiu aceitar a proposta de Santos e pediu que a XP conversasse com a agência que organiza seus eventos pagos, a Star Palestras. No caso do encontro com banqueiros, não está claro se a ida do procurador foi remunerada.
Edição: Rodrigo Chagas